Neste dia 18 de outubro, a Igreja celebra a festa de São Lucas, e alguns destaques a respeito de sua pessoa e de seu Evangelho merecem ser feitos.
Dentre as várias ausências pelas quais deveriam se lamentar os protestantes ao olhar para nós, católicos, uma das principais é sem sombra de dúvida a ausência dos santos. Esses verdadeiros amigos de Deus — segundo “terminologia” do próprio Senhor, que chamou assim aos seus discípulos mais próximos (cf. Jo 15, 15) — fazem da Igreja Católica uma verdadeira família, da qual nós, que militamos neste mundo, somos apenas os irmãos menores.
A liturgia católica está repleta dessas figuras, a começar pelos Apóstolos e evangelistas, seguidos pelos coros dos mártires, dos confessores e das virgens, até culminar na bem-aventurada Virgem Maria, Rainha de todos os santos. Para nós, é uma alegria tremenda celebrar esses seres humanos, de carne e osso como nós, que se devotaram a Deus com grande amor, a cuja intercessão somos chamados a apelar e cujos exemplos somos chamados a imitar em nossas próprias vidas.
Sem os santos e sem celebrar a memória deles, o protestantismo é uma espécie de “religião de filhos únicos”.
Neste dia 18 de outubro, de modo particular, a Igreja celebra a festa de São Lucas, e alguns destaques a respeito de sua pessoa e de seu Evangelho merecem ser feitos.
Em primeiro lugar, como se sabe, São Lucas é o autor do terceiro Evangelho canônico. É ele “o irmão, cujo renome na pregação do Evangelho se espalha em todas as igrejas” (2Cor 8, 18). E isso apesar de ter narrado a vida de Cristo a partir do que ouviu, não do que viu por si mesmo:
Muitos empreenderam compor uma história dos acontecimentos que se realizaram entre nós, como no-los transmitiram aqueles que foram desde o princípio testemunhas oculares e que se tornaram ministros da palavra. Também a mim me pareceu bem, depois de haver diligentemente investigado tudo desde o princípio, escrevê-los para ti segundo a ordem, excelentíssimo Teófilo, para que conheças a solidez daqueles ensinamentos que tens recebido (Lc 1, 1-4).
Em outras palavras, diferentemente de Mateus e João, Marcos e Lucas não foram testemunhas oculares dos fatos que narraram. Mas nem por isso seus Evangelhos têm menos valor. Na verdade, Nosso Senhor os escolheu justamente para dar esperança a nós, que não o vimos nem o tocamos, de evangelizar também, e de alcançar a salvação e a santidade.
A propósito, Santo Agostinho tem um belo ensinamento sobre a ordem dos quatro Evangelhos (cf. De consensu evangelistarum I 3). Os Apóstolos foram os primeiros a anunciar Jesus e esta é uma grande glória. Por isso, foram eles os escolhidos como o primeiro e o último evangelistas, São Mateus no começo e São João no final: para defender os evangelistas “do meio”, como duas colunas protetoras.
Alguns autores, como Epifânio, quiseram incluir São Lucas entre os 72 discípulos de que fala o seu próprio Evangelho (cf. Lc 10, 1-9), mas São Jerônimo questiona essa posição e a Tradição está com ele. Ainda assim, é essa a perícope escolhida para ser lida hoje nas igrejas. O fato, no entanto, tem mais a ver com o fato de os evangelistas fazerem parte desse círculo mais próximo dos discípulos que com uma observação histórica precisa. Até porque também o evangelista São Marcos era celebrado com essa mesma passagem bíblica no Vetus Ordo.
Quanto ao estilo da escrita de São Lucas, é parecer unânime dos teólogos e exegetas que se trata de uma verdadeira joia da Sagrada Escritura. Seu Evangelho é superior em valor literário não só aos outros três, mas a todos os livros do Novo Testamento (com exceção apenas da Carta aos Hebreus).
Em segundo lugar, São Lucas também é o autor dos Atos dos Apóstolos. Só que de um modo diferente, como diz São Jerônimo: “O Evangelho ele escreveu segundo o que ouvira, os Atos compôs segundo o que ele mesmo vira” [i].
Neste livro fica atestada sua proximidade com São Paulo, de quem ele foi discípulo e “companheiro de viagem” (2Cor 8, 19) — desde At 16, 10, quando eles vão juntos à Europa (e a narrativa assume então a 1.ª pessoa), até o final, a ponto de o Apóstolo escrever: “Demas me abandonou, por amor das coisas do século presente, e se foi para Tessalônica. Crescente, para a Galácia; Tito, para a Dalmácia. Só Lucas está comigo” (2Tm 4, 10-11). Em sua última carta antes do martírio, a companhia de Lucas é novamente mencionada (cf. Fm 24) e, todas as vezes que o Apóstolo usa a expressão meum evangelium, “meu Evangelho”, é ao terceiro sinótico que ele está se referindo.
Em terceiro lugar, São Lucas exercia a medicina, segundo a Tradição e a própria Escritura: “Saúda-vos Lucas, o caríssimo médico” (Cl 4, 14). Por isso, na data de sua festa também se comemora o Dia dos Médicos. O autor da Legenda Áurea faz uma interpretação espiritual muito bonita desse fato:
Seu evangelho é de grande utilidade. Por isso foi médico ele, que o escreveu, para mostrar que nos proporcionou um medicamento poderosíssimo. Há de fato três tipos de remédio: o curativo, o preventivo e o fortificante. Lucas mostra em seu evangelho que esses três remédios foram preparados pelo médico celeste.
O remédio curativo, que cura as doenças, é a penitência, que cura todas as doenças espirituais. É esse remédio que ele nos diz ter sido oferecido pelo médico celeste, o qual veio “para sarar os de coração contrito, para anunciar aos cativos a redenção” (4, 18); e ainda [como Ele mesmo diz]: “Não vim chamar à conversão os justos, mas os pecadores” (5, 32).
O remédio que fortalece a saúde é a observância dos conselhos, que torna o homem melhor e mais perfeito. Este foi preparado por nosso médico quando ele disse: “Vende tudo o que tens, dá-o aos pobres” (18, 22); ou ainda: “Ao que te tirar a capa, não impeças de levar também a túnica” (6, 29).
O remédio preventivo é o que nos preserva da queda e consiste em evitar as ocasiões de pecado e as más companhias. Esse remédio é receitado pelo médico quando nos ensina a evitar a companhia dos maus: “Guardai-vos do fermento dos fariseus, que é a hipocrisia” (12, 1).
Em quarto lugar, nas representações dos Evangelhos, São Lucas é simbolizado na arte cristã como um bezerro, ou um touro. E por quê? Porque cuidou de apresentar Nosso Senhor como sacerdote, e é este animal “a maior vítima” oferecida pelos levitas do Antigo Testamento. Santo Agostinho faz notar, por exemplo, que a narrativa de São Lucas “começa com o relato sobre o sacerdote Zacarias”, pai de São João Batista, e que “nele se recorda o parentesco entre Maria e Isabel” (cf. De consensu evangelistarum I 9).
É também São Lucas o evangelista que mais apresenta Jesus em atitude de oração: quando este é batizado nas águas do Jordão (cf. Lc 3, 21); antes de escolher seus doze discípulos mais próximos — ocasião em que ele passa “toda a noite orando a Deus” (Lc 6, 12); antes de receber a profissão de fé de São Pedro (cf. Lc 9, 18); na Transfiguração no Tabor (cf. Lc 9, 28); antes de ensinar o Pai-nosso (cf. Lc 11, 1); e, por fim, ao ser crucificado, quando dizia: “Pai, perdoa-lhes; porque não sabem o que fazem” (Lc 23, 34). Assim Jesus cumpriu seu ofício de “mediador nas coisas que dizem respeito a Deus”, com “preces e súplicas, entre clamor e lágrimas” (Hb 5, 1.7).
Em quinto lugar, São Lucas é considerado o evangelista de Nossa Senhora, pois foi ele, de fato, o que mais deu detalhes da concepção e infância de Jesus, o único a narrar a Anunciação e a Visitação, e também o responsável por escrever o Magnificat, que a Igreja canta toda tarde no Ofício Divino.
Também por esses fatos, ele é apontado como artífice do mais antigo ícone de Maria, com base no qual teria surgido, depois, a imagem da Virgem do Perpétuo Socorro.
Como prova dessa ligação peculiar com Nossa Senhora, aponte-se a revelação lucana de que Maria conservava, guardava em seu coração, todos os mistérios da vida de seu Filho, meditando sobre eles sem cessar (cf. Lc 2, 19.51). Ora, como São Lucas saberia desse dado biográfico tão íntimo, se a própria Mãe de Deus não tivesse revelado isso a ele, abrindo-lhe o tesouro de seu Imaculado Coração?
Por fim, em sexto lugar, destaquemos que São Lucas guardou a virgindade até o fim da vida, como tantos outros dos primeiros discípulos do Senhor. Segundo São Jerônimo, um grande defensor desse estilo de vida, o evangelista teria morrido aos 84 anos sem contrair casamento [iii].
Por que mencionar esse dado? Porque, de fato, como disse o próprio Jesus, aqueles que se fizeram eunucos por causa do Reino de Deus constituem uma classe especial dentro da Igreja (cf. Mt 19, 12). E se são especiais, por que não distinguir São Lucas por isso? O livro do Apocalipse descreve assim, a propósito, aqueles 144 mil eleitos que seguem o Cordeiro: “Estes são os que não se contaminaram com mulheres, pois são virgens. São eles que acompanham o Cordeiro por onde quer que vá; foram resgatados dentre os homens, como primícias oferecidas a Deus e ao Cordeiro” (14, 4).
Na verdade, nada convinha mais a um discípulo tão próximo da Virgem Maria. Parafraseando o jovem Beato Carlo Acutis, poderíamos dizer que foi ela a “única mulher” da vida de São Lucas. — Que eles intercedam do Céu por nós e todas as nossas necessidades.
Fonte: Equipe Christo Nihil Præponere
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