O que significa dizer que Maria é “corredentora” e “medianeira de todas as graças”?

Na mensagem de Lourdes, por exemplo, Nossa Senhora veio recordar a validade da pobreza e da piedade contra a racionalidade materialista e anticlerical do século XIX.

Em Fátima, por sua vez, a Mãe de Deus insistiu na necessidade de reparação e penitência pelas almas infiéis que, àquela altura, tripudiavam sobre o santíssimo nome de Deus com toda sorte de blasfêmias e injúrias.

É importante agora precisar mais claramente o papel de Maria na história da salvação. Tal esclarecimento nos ajudará a entender por que a Virgem Santíssima veio visitar a humanidade em tantas ocasiões, apresentado-se como meio singular para o acesso às graças de Deus. Quando Bento XVI declarou não existir “fruto da graça na história da salvação que não tenha como instrumento necessário a mediação de Nossa Senhora”, ele não estava simplesmente fazendo uso de um exagero retórico próprio da linguagem dos santos [2]. A mediação de Maria faz parte do patrimônio da fé cristã e é a partir desta verdade, tão presente nos ensinamentos dos santos como também no Magistério ordinário da Igreja, que a porção dos fiéis pode unir-se mais eficazmente contra os desvios mundanos, a fim de alcançar a coroa do Céu.

“Foi pela Santíssima Virgem Maria que Jesus Cristo veio ao mundo, e é também por Ela que deve reinar no mundo” [3]: com essas palavras, São Luís Maria Grignon de Montfort resume todo o fundamento da doutrina católica acerca da participação da Mãe de Deus na redenção da humanidade. Como em Deus não há movimento nem mudança, a sua vontade permanece sempre a mesma para todos os efeitos [4]. Ora, Ele escolheu livremente ter uma mãe segundo a carne humana e manter-se submisso aos seus cuidados durante a maior parte de sua vida terrena. Não é difícil concluir, portanto, que essa maternidade divina continua no Céu. A própria Sagrada Escritura nos confirma isso em inúmeras passagens, em especial, nos relatos de São João sobre as últimas palavras de Cristo pregado à cruz: Maria é dada como mãe para toda a humanidade (cf. Jo 19, 25-27; Gn 3, 15; Ap 12, 1-18). E é por meio da cooperação dessa mesma Mãe que nos devem chegar todas as graças da salvação, ou seja, o próprio Jesus Cristo.

Santos de todas as épocas dão crédito a essa doutrina. Falando sobre a cooperação de Nossa Senhora na obra da Redenção, Santo Irineu disse: “Obedecendo, Ela tornou-se causa de salvação para si e para todo o gênero humano” [5].

Algo semelhante escreveu um discípulo de Santo Anselmo: “Deus é Senhor de todas as coisas, constituindo cada uma delas na sua própria natureza pela voz do seu poder, e Maria é Senhora de todas as coisas, reconstituindo-as na sua dignidade primitiva pela graça, que lhes mereceu” [6].

E para que não reste qualquer dúvida dessa cooperação de Maria, citemos a profecia de Simeão acerca da espada de dor com a qual Ela seria ferida (cf. Lc 2, 35). A Virgem Santíssima completou na própria carne as dores que faltaram à Cruz de Cristo, segundo o ensinamento de São Paulo (cf. Col 1, 24).

No último século, o Magistério ordinário da Igreja também falou repetidas vezes sobre o mesmo assunto.

Leão XIII, por exemplo, redigiu 13 encíclicas para ressaltar o valor da oração do Rosário. É de sua pena esta belíssima prece, na qual o grande pontífice pede que a Virgem “restitua a tranquilidade da paz aos espíritos angustiados; apresse enfim, na vida privada como na vida pública, o retorno a Jesus Cristo”: “Que, no seu poder, a Virgem Mãe, que outrora cooperou por seu amor no nascimento dos fiéis na Igreja, seja ainda agora o instrumento e a guardiã da nossa salvação” [7].

Não nos esqueçamos ainda das piedosas exortações de Pio XII. O Papa que, conforme contam algumas testemunhas, teria visto o milagre do sol nos jardins do Vaticano, ensinava: “Se Maria, na obra da salvação espiritual, foi associada por vontade de Deus a Jesus Cristo, princípio de salvação, pode-se dizer igualmente que esta gloriosíssima Senhora foi escolhida para Mãe de Cristo ‘para lhe ser associada na redenção do gênero humano'” [8].

Palavras semelhantes são encontradas também nas cartas de Pio X, Bento XV, Pio XI, João XXIII, Paulo VI e João Paulo II.

Com tantos papas escrevendo sobre esse assunto, já não se pode dizer ingenuamente que a “mediação universal” de Maria e o seu papel como “corredentora” sejam meras “opiniões piedosas”. Embora a Igreja ainda não tenha se manifestado solenemente a esse respeito, por meio de uma declaração ex cathedra, a sua notável presença nos documentos comuns dos Santos Padres leva-nos àquela obediência da fé, que também se aplica ao que propõe o Magistério ordinário e universal, isto é, “o ensino comum e universal de uma determinada doutrina pelo papa e por todos os bispos espalhados pelo mundo” [9].

Aliás, o próprio Concílio Vaticano II referendou tudo isso que dissemos até agora:

Esta maternidade de Maria na economia da graça perdura sem interrupção, desde o consentimento, que fielmente deu na anunciação e que manteve inabalável junto à cruz, até à consumação eterna de todos os eleitos. De fato, depois de elevada ao Céu, não abandonou esta missão salvadora, mas, com a sua multiforme intercessão, continua a alcançar-nos os dons da salvação eterna. Cuida, com amor materno, dos irmãos de seu Filho que, entre perigos e angústias, caminham ainda na terra, até chegarem à pátria bem-aventurada. Por isso, a Virgem é invocada na Igreja com os títulos de advogada, auxiliadora, socorro, medianeira. Mas isto se entende de maneira que nada tire nem acrescente à dignidade e eficácia do único mediador, que é Cristo.

Efetivamente, nenhuma criatura se pode equiparar ao Verbo encarnado e Redentor; mas, assim como o sacerdócio de Cristo é participado de diversos modos pelos ministros e pelo povo fiel, e assim como a bondade de Deus, sendo uma só, se difunde variamente pelos seres criados, assim também a mediação única do Redentor não exclui, antes suscita nas criaturas cooperações diversas, que participam dessa única fonte.

Esta função subordinada de Maria, não hesita a Igreja em proclamá-la; sente-a constantemente e inculca-a aos fiéis, para mais intimamente aderirem, com esta ajuda materna, ao seu mediador e salvador. [10]

Demonstrado o fundamento de nossa fé na cooperação de Maria — cooperação esta que se manisfestou “de modo singular, com sua fé, esperança e ardente caridade, na obra do Salvador, para restaurar nas almas a vida sobrenatural” [11] —, tornam-se mais lúcidas as suas aparições, cujas mensagens resumem-se a uma maior fidelidade à religião cristã, ou seja, ao chamado à santidade.

Maria nunca quer nada para Ela. Ao contrário, a Virgem sempre direciona-nos para o Seu Filho, a fim de que deixemos de ofendê-lO com nossos pecados.

Maria fala contra a indiferença e a tibieza dos corações que já não dão espaço para Jesus.

Mais: a Mãe de Deus escolhe almas inocentes para livremente sofrerem pela conversão dos pobres pecadores. Maria, por meio da consagração que lhe fazem, instrui e protege Seus filhos na batalha contra a serpente maligna, forjando-os no mesmo fogo no qual quis ser forjado o próprio Filho de Deus. Portanto, não há como negar as palavras de São Luís Maria Grignon de Montfort: “Se a devoção à Santíssima Virgem nos afastasse de Jesus, seria preciso rejeitá-la como uma ilusão do demônio. Mas é tão o contrário […], esta devoção só nos é necessária para encontrar Jesus Cristo, amá-lO ternamente e fielmente servi-lO” [12].

Maria é, realmente, corredentora e medianeira de todas as graças.


Por: Equipe Christo Nihil Praeponere
Referências

  1. Cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 67.
  2. Papa Bento XVI, Homilia da Santa Missa de Canonização de Frei Galvão (11 de maio de 2007), n. 5.
  3. São Luís Maria Grignion de Montfort, Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, n. 1.
  4. Cf. Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica, I, q. 2, a. 3.
  5. Santo Irineu, Adversus Haereses, III, 22, 4 (PG 7, 959).
  6. Eadmero, De excellentia Virginis Mariae, 11 (PL 159, 308).
  7. Breve de 8 de setembro de 1901: Acta Leonis XIII, vol. 21, pp. 159-160.
  8. Papa Pio XII, Carta Encíclica Ad Caeli Reginam (11 de outubro de 1954), n. 35.
  9. Antonio Royo Marín. A fé da Igreja: em que deve crer o cristão hoje (trad. de Guilherme Ferreira Araújo). Campinas: Ecclesiae, Edições Cristo Rei, 2015, p. 69.
  10. Concílio Vaticano II, Constituição Dogmática Lumen Gentium (21 de novembro de 1964), n. 65.
  11. Ibid., n. 61.
  12. São Luís Maria Grignion de Montfort, op. cit, n. 62.