O escândalo das escolhas definitivas

“O matrimônio, por sua própria instituição, se deve dar somente entre dois, isto é, o homem e a mulher”. “Dos dois forma-se uma só carne”. “Por vontade de Deus, o vínculo nupcial é tão íntimo e fortemente unido, que ninguém entre os homens pode desfazê-lo ou rompê-lo” [1]. Eis a verdade sobre o matrimônio, exposta pelo próprio Cristo e resumida pelo Papa Leão XIII, ainda ao fim do século XIX. Na ocasião, o que rondava a Europa era a ameaça do divórcio; hoje, são tantos os males que cercam o mundo, que mesmo os conceitos de “Matrimônio” e “casamento” – e até de “homem” e “mulher”, com a ideologia de gênero –, foram postos em xeque.

Não é, portanto, exclusividade de nossa época, que as pessoas se escandalizem com a pregação cristã sobre o casamento. Quando Jesus – explicando aos judeus que o divórcio só havia sido permitido pela lei mosaica por causa da dureza de seus corações e que “no começo não foi assim” – estabeleceu com firmeza que o homem não pode separar o que Deus uniu, os Seus próprios discípulos ficaram impressionados: ” Se tal é a condição do homem a respeito da mulher, é melhor não se casar!” (Mt 19, 10). Como resposta a essa indagação, Jesus não só manteve integralmente o que disse, como afirmou, noutro lugar, que o adultério não se comete apenas com atos, mas também com o coração (cf. Mt 27, 28).

É claro que a reação dos discípulos não se compara à dos homens deste século: enquanto aqueles queriam evitar o casamento para servir melhor a Deus [2], estes fogem do altar… para servir melhor a si mesmos. – Se tal é a condição do homem a respeito da mulher, é melhor permanecer solteiro! Se tal é a condição do homem a respeito da mulher, é melhor viver sozinho! – De fato, as estatísticas mostram que o número de casamentos formais têm diminuído em várias partes do mundo. Ao contrário, as chamadas “uniões estáveis” (que de estáveis só têm o nome) são a nova onda do momento.

Trata-se da “cultura do provisório”, tão denunciada pelo Papa Francisco em seus discursos. “Vivemos numa cultura (…) na qual cada vez mais pessoas renunciam ao matrimônio como compromisso público. Esta revolução nos costumes e na moral agitou com frequência a ‘bandeira da liberdade’, mas na realidade trouxe devastação espiritual e material” [3]. Aquilo que para alguns seguidores de Cristo era apenas um susto ou indagação é cada vez mais realidade no mundo moderno: as pessoas não querem mais se casar.

O Catecismo reconhece que “pode parecer difícil e até impossível ligar-se por toda a vida a um ser humano” [4]. No entanto, a Igreja deve manter-se fiel a seu Senhor e Fundador, sem a pretensão de mudar uma só letra da doutrina evangélica. Como Cristo, ela não deve temer figurar como “sinal de contradição” ( Lc 2, 34), pois o verdadeiro amor pelas almas não pode nunca prescindir do anúncio da verdade, ainda que esta pareça dura ou difícil de ser seguida. No ensinamento do Beato Papa Paulo VI, “não minimizar em nada a doutrina salutar de Cristo é forma de caridade eminente para com as almas” [5].

Alguém poderia até argumentar que, deste modo, com essa “intransigência moral”, a Igreja Católica estaria a perder “fiéis”. À parte a pouca fidelidade desses que saem da barca de Pedro por não aceitarem os preceitos firmados pelo próprio Jesus, essa é uma questão importante. Se ensinasse algo diferente em matéria de família, a Igreja, por certo, ganharia a simpatia de muitos, cairia nas graças da mídia e até poderia aumentar o seu número de “fiéis”. Mas, a que preço? Qual deve ser a maior preocupação da Igreja? Aumentar o seu dízimo ou levar as almas a um encontro real com Cristo? Ter um grande número de pessoas nas igrejas ou aumentar a extensão do Corpo Místico de Cristo – a Igreja com “i” maiúsculo?

O anseio da Igreja (e, portanto, de Cristo) é que o homem “se defina”, chegue à plenitude de seu ser, não que seja uma permanente “metamorfose ambulante”, sem rumo e sem verdadeira meta.

“Na cultura do provisório, do relativo, muitos pregam que o importante é ‘curtir’ o momento, que não vale a pena comprometer-se por toda a vida, fazer escolhas definitivas, ‘para sempre’, uma vez que não se sabe o que reserva o amanhã. Em vista disso eu peço que vocês sejam revolucionários, eu peço que vocês vão contra a corrente; sim, nisto peço que se rebelem: que se rebelem contra esta cultura do provisório que, no fundo, crê que vocês não são capazes de assumir responsabilidades, crê que vocês não são capazes de amar de verdade.” [6]

Com a sua pregação, a Igreja toma constantemente a voz de Cristo e chama as almas a considerarem o altíssimo preço pelo qual foram compradas e a grandíssima vocação para a qual foram chamadas. Para corresponder a esses apelos que parecem vir apenas da boca de homens, mas, na verdade, vêm da boca do próprio Deus, é preciso coragem e perseverança. Pelo pecado original, tendemos mais facilmente à dissolução que a perfeição, ao pecado que à virtude. Mas, pelo Batismo, somos chamados à magnanimidade [7]: com grandeza de alma, acolhamos o chamado de Cristo e da Igreja e não tenhamos medo de arriscar nossas vidas em decisões definitivas, almejando a verdadeira Vida, que nunca terá fim.

Referências:

  1. Papa Leão XIII, Carta encíclica Arcanum divinae sapientiae, 10 de fevereiro de 1880, n. 7
  2. São João Crisóstomo, por exemplo, em comentário a esta passagem, ensina: “Levius enim est contra concupiscentiam praeliari et contra seipsum, quam ad mulierem malam – Mais leve é combater contra a concupiscência e contra si mesmo, que por uma mulher má” (Tomás, Catena Aurea in Matthaeum, 19, 3)
  3. Papa Francisco, Discurso aos participantes no Encontro Internacional sobre a Complementaridade entre Homem e Mulher, 17 de novembro de 2014
  4. Catecismo da Igreja Católica, 1648
  5. Encíclica Humanae Vitae, 25 de julho de 1968, n. 29
  6. Papa Francisco, Encontro com os Voluntários da XXVIII Jornada Mundial da Juventude, 28 de julho de 2013
  7. Cf. Santo Tomás de Aquino, Summa Theologiae, II-II, q. 12

Fonte: Christo Nihil Præponere