Vamos refletir sobre o Evangelho do 5.º Domingo do Tempo Comum. Trata-se do Evangelho de S. Marcos, no cap. 1.º, versículos 29–39. Jesus, como nós vimos na semana passada, acabou de sair da sinagoga onde Ele ensinara com autoridade e expulsara um demônio. Agora, Ele vai imediatamente para a casa de Simão Pedro. Lá, fica sabendo que a sogra de Pedro está doente e a cura. O interessante é o que o Evangelho nos diz desta cura: “A sogra de Simão estava de cama, com febre. Eles logo contaram a Jesus, Ele se aproximou, segurou a sua mão e a ajudou a levantar-se. Então a febre desapareceu, e ela começou a servi-los”.
Guarde bem isso: “Ela começou a servi-los”. Como, provavelmente, Jesus foi à sinagoga no sábado, e os judeus não podem percorrer longas distâncias no sábado porque é dia de descanso, quando o sol se pôs e terminou o shabat, as pessoas começaram a trazer os doentes para Jesus. Percorrer uma distância, carregar doentes, tudo isso é trabalho para um judeu. Eles começam então a trazer doentes. Jesus os cura de suas enfermidades, expulsa os demônios e aí, terminado esse dia bastante longo, cansativo — sinagoga, ensinamento, expulsão de um demônio, cura da sogra, depois de um monte de doentes!… —, depois desse longo dia cansativo, o que nós esperaríamos que Jesus dissesse é: “Ah! bom, agora Eu vou descansar um pouco”. Mas o evangelista diz: “Bem de noite” (ou seja, estamos aqui falando de umas três da manhã), “Jesus sai e vai rezar num lugar deserto”.
S. Pedro finalmente acha Jesus e diz: “Senhor, está todo o mundo procurando o Senhor”. Ele diz: “Eu tenho de ir para outras cidades pregar, porque foi para isso que Eu vim”. “Eu vim para pregar”! Esse é o resumo do Evangelho deste domingo. No fundo, é um Evangelho com três grandes partes: a cura da sogra de Pedro; depois, a cura dos vários doentes e endemoniados; finalmente, Jesus em oração. O que nós podemos tirar para nossa vida desse Evangelho? No que ele nos ilumina?
O primeiro ponto é entender o seguinte: Jesus chega à casa de Simão, e logo dizem a Ele que a sogra de Pedro está de cama. Aqui, a sogra de Pedro é claramente um sinal da fragilidade da nossa humanidade. Ou seja: nós estamos presos, escravos, incapazes de fazer algo de bom, nem sempre por malícia ou maldade, mas por fraqueza. A sogra de Pedro está lá, e quando as pessoas o contam a Jesus — eis o poder da oração: contar a Jesus é rezar, é interceder —, Ele então se aproxima dela e a segura com a mão. Pode parecer um detalhe bobo, mas imagine-se essa cena: Jesus segura a sogra de Pedro com a mão!
Mas não é, simplesmente, que Ele tenha pegado na mão dela. Não. O que está no original grego é que Jesus ergueu a sogra de Pedro, “kratēsas tēs cheiros”, com a mão que segurava com firmeza, a mão que sustentava. Jesus “pegou”: o verbo é “krateu”; daí que vem “pantokrator”, o que tudo pode. Jesus, o Pantokrator, é aquele que segura tudo, que sustenta tudo no ser.
Pois bem, Jesus sustenta e dá força à sogra de Pedro para que ela se erga. Ora, qual é a reação da sogra de Pedro logo em seguida? Ela começa a servi-los, isto é, começa aqui um serviço, uma diaconia: “kai diēkonei autois”. A sogra de Pedro começa a servir os que estão em sua casa. Temos, de um lado, uma intervenção divina que cura, liberta e salva e, de outro, logo em seguida, a sogra que começa a servir.
Isso aqui é a história da salvação da humanidade, é aquilo que nos diz Zacarias, o pai de S. João Batista, no Benedictus: “ut liberati serviamus”, ou seja, “para que, libertos das mãos dos nossos inimigos, nós o sirvamos sem temor em santidade e justiça todos os nossos dias”. Para que, libertos, nós sirvamos! Jesus vem nos libertar para que nós o sirvamos!
Essa palavra nos recorda exatamente o que Deus fez no Egito. Quando Deus mandou Moisés sair do Egito, o que Ele fez? Capítulo 5 do Livro do Êxodo: Moisés ao faraó: “Deixa o meu povo ir. Esse é o recado que Deus está dando, Deus está dizendo para o senhor, faraó, deixar o meu povo partir, para que ele faça uma peregrinação no deserto e, lá, possa servir oferecendo sacrifícios”. Ou seja: para que, libertos, servissem.
O faraó, porém, resistiu. Então, o que Deus fez? Deus, com “mão forte” e “braço estendido”, na sua misericórdia libertou o povo. Mão forte, como no Evangelho! Com mão poderosa (“kratēsas”) e braço estendido, Deus libertou o seu povo. Mas por que Deus libertou o povo do poder do faraó? Por que Deus libertou o povo do poder do demônio? Por que Jesus veio do céu para nos libertar da escravidão de Satanás? Para que, libertos das mãos dos nossos inimigos, nós o sirvamos, isto é, possamos servir a Deus.
Essa é a finalidade principal da nossa vida, essa é a história da salvação, essa é a minha história, essa é a sua história. Por quê? Porque nós somos para Deus. Se você não se dá conta disso, é porque ainda está com a mentalidade escrava. Vejamos o que o filho pródigo fez lá no capítulo 15 de São Lucas. O filho pródigo se rebelou, proclamou sua “autolibertação”, saiu da casa do pai, dizendo: “Pai, dá-me a parte que me cabe da herança”, e foi embora gastar os seus bens com prostitutas, achando-se muito livre. Mas esse ato de revolta o que fez com o filho pródigo? Escravizou-o. Quando o filho pródigo finalmente acordou para a vida, ele estava numa escravidão infinitamente pior do que aquela que ele imaginava ter na casa do pai: ele estava servindo a um patrão tão cruel, que não o deixava comer sequer a comida dos porcos. Eis a “grande liberdade” que ele ganhou!…
E é exatamente disso que as pessoas não se dão conta. As pessoas dizem assim: “Ah! a Igreja Católica oprime os povos; a Igreja Católica impõe aos outros uma mentalidade fechada. Ora, nós estamos em outros tempos agora, tempos de libertação sexual. Não há que seguir a moral sexual da Igreja, não há que ficar preso a moralismos” etc. Não, não é prisão nem moralismo! A Igreja é Mãe, a Igreja é Mestra. Ela quer o nosso bem. Quando a Igreja diz: “Não viva no pecado, pare de se maltratar, vá se confessar, saia do pecado”, ela o está dizendo para o nosso bem; ela não está querendo nos escravizar, mas nos dar a única e verdadeira liberdade.
Ou será que não notamos a escravidão em que vivemos? Não notamos que nós vamos nos tornando escravos de coisas que nós mesmos inventamos? Alguém pode dizer: “Ah! eu não quero a escravidão de rezar o Terço todos os dias”, ao mesmo tempo que se acorrenta na escravidão do celular, sem conseguir mais viver sem Instagram, sem Facebook, sem WhatsApp… Já virou um ato reflexo!
Você está conversando com uma pessoa, mas já não consegue lhe dar atenção: é preciso olhar o celular! Você está rezando, mas já não consegue mais se concentrar: é preciso verificar o WhatsApp! Você está fazendo coisas importantes, mas está escravizado pelas mais baixas, num condicionamento mental. Não vê que está se tornando escravo de coisas piores ainda? Você diz: “Ah! eu consigo viver sem pornografia, sem masturbação”, mas não consegue sair! Você é como o alcoólatra que diz: “Eu consigo parar de beber quando eu quiser”. Oras, então pare! “Ah, é que eu não quero…”. Não, não é que você não queira; é que você não pode, você não dá conta, você é um escravo, você precisa de ajuda, e de ajuda divina.
Esse é o filho pródigo. O filho pródigo acha que estava sendo oprimido pelo pai e sai de casa revoltado, mas acaba caindo numa escravidão terrível e horrorosa. Esse é o problema da sociedade. Quando nós éramos uma sociedade cristã, as pessoas tinham família, os maridos não traíam as esposas, as esposas não traíam os maridos, os filhos respeitavam os pais, as pessoas iam à igreja no domingo, mas isso, dizem hoje, era uma “escravidão”… Agora, a liberdade é o quê? Matar-se mutuamente, violência, dependência química, depressão, falta de sentido de vida, tristeza. Eis a “liberdade”!…
Não, nós estamos bem doentes, somos como a sogra de Pedro, com febre, presa na cama, escrava daquela condição; mas a dela era uma doença física, enquanto a nossa é pior, porque é espiritual. Não conseguimos nos erguer e sair do atoleiro em que nos colocamos. Precisamos que Deus, com sua mão poderosa e com o seu braço estendido. nos erga. Jesus vem nos erguer e tirar desse atoleiro, para que, libertos — “ut liberati” —, nós possamos servi-lo — “serviamus”.
Por quê? Porque “servire Deo regnare est”: servir a Deus é reinar. É a coisa mais livre que podemos fazer. A liberdade verdadeira é servir a Deus. A liberdade que o mundo prega não é liberdade coisa nenhuma; é a propaganda do diabo. Não confundamos a propaganda do diabo com a realidade. O diabo sabe fazer marketing, e o que ele anuncia? Anuncia liberdade, mas vende escravidão. É preciso escolher: iremos servir a Deus ou ao diabo? São as duas escolhas. O filho pródigo se reergue e vai para a casa do pai; a sogra de Pedro sai da cama e começa a servir Jesus; o povo de Israel sai do Egito para servir a Deus. E nós? Que iremos fazer?
Vejamos, pois, bem concretamente. o que podemos fazer para que, libertos da mão dos nossos inimigos, nós sirvamos a Deus em santidade e justiça. Recordemos que, no calendário antigo, antes da reforma do Vaticano II, esse domingo era o Domingo da Sexagésima. Desde o domingo passado, com a Septuagésima, o rito antigo, chamado popularmente de “rito de S. Pio V”, já está preparando a Quaresma. Domingo passado foi o da Septuagésima; esse é o da Sexagésima; domingo que vem será o da Quinquagésima, e depois começa a Quaresma: são três domingos de preparação para que as pessoas comecem a “entrar em clima” de Quaresma. Na liturgia antiga, já não se diz mais o Aleluia, e os paramentos são roxos.
Por que a Igreja fazia isso na sua pedagogia? Porque a Igreja não queria que o povo entrasse na Quaresma “de supetão”, de surpresa. Embora estejamos celebrando o 5.º Domingo do Tempo Comum, ainda com paramentos verdes, também nós deveríamos começar a nos preparar para a Quaresma, para esta grande libertação que Deus quer fazer em nossas vidas, a fim de que, libertos das mãos dos nossos inimigos, nós o sirvamos!
A Quaresma é tempo de conversão verdadeira, mas não a esperemos começar, não esperemos a Quarta-feira de Cinzas. Já agora podemos nos preparar e fazer uma boa e santa Confissão. É importante entender o que acontece na Confissão: é exatamente o que se vê na cura da sogra de Pedro, quer dizer, Jesus vem ao nosso encontro e, com a sua mão forte, com a sua mão de Pantokrator, Ele nos sustenta e dá uma força que não temos — a força de sair da escravidão do pecado.
Se estamos em pecado mortal, preparemos uma boa e santa Confissão. Façamos um exame de consciência (na internet há bons exames de consciência), anotemos nossos pecados e decidamos romper com os pecados graves, todos e de uma vez e para sempre! A partir disso, comecemos a nos confessar regularmente. Por quê? Porque a Confissão não serve somente para nos libertar do pecado grave, serve também para nos dar forças na luta contra o pecado em geral. É por isso que a Igreja incentiva também a Confissão devocional. O que é a confissão devocional? É a Confissão em que buscamos a absolvição, mesmo que não tenhamos pecados graves que acusar. Por quê? Porque, pela absolvição, Jesus, com sua mão poderosa, toca em nós; com sua mão chagada, Ele quer verdadeiramente nos erguer, nos levantar, para que nós possamos servir a Deus.
Ora, servir a Deus quer dizer o quê? Servir a Deus quer dizer amar, servir a Deus quer dizer amar mais. O amor não escraviza ninguém, o amor não deixa ninguém reprimido, recalcado. Servir a Deus seguindo os Mandamentos e os ensinamentos da Igreja é servir por amor. O filho pródigo, quando deixou o patrão cruel, voltou para casa com a disposição de servir e disse: “Pai, não sou digno de ser tratado como teu filho. Trata-me como um de teus servos, um de teus empregados”. Quando nos colocamos na posição de servo, acontece a maravilha: Deus então nos trata como filhos! Temos então a liberdade de filhos! Foi para a liberdade que Cristo nos resgatou, para a liberdade de amar!
Viver a virtude é viver a grande libertação. É importante notar que são o pecado e o vício o que nos escraviza. Uma pessoa viciada em álcool, em drogas, no adultério, em pornografia, em masturbação etc. não consegue se libertar sozinha, mas precisa da mão de Cristo, da ajuda de Nosso Senhor no santo sacramento da Confissão. Por outro lado, é interessante notar, se estamos vivendo a pureza, a castidade, a sobriedade, a honestidade, a generosidade etc., nada disso nos vicia. Nunca se viu uma pessoa dizer: “Ah! eu sou viciado em castidade”. Isso não existe. A pessoa casta pode pecar a qualquer momento, ela não é viciada na virtude, porque a virtude liberta; mas a pessoa que cai no pecado e se deixa enredar por ele, não consegue se libertar a qualquer momento: ela precisa de ajuda, precisa da mão salvadora de Cristo.
Roguemos a Jesus! O primeiro passo a ser dado para preparar uma boa Confissão, para a libertação que se recebe quando o sacerdote dá a absolvição, é exatamente se preparar direito, com uma boa oração. Jesus, quando saiu da sinagoga, foi para a casa de Simão Pedro, e eles logo contaram que ela estava doente: eis a oração. “Olha, Jesus, nós estamos aqui para interceder por ela. Jesus, tu podes ajudá-la”. A oração foi o primeiro passo. Façamos o mesmo, demos o primeiro passo, o da oração. Peçamos a Jesus: “Jesus, eu quero me arrepender dos meus pecados. Dai-me, Senhor, luzes e graça para eu preparar uma boa, santa e frutuosa Confissão”.
Não esperemos a Quaresma chegar. Vamos nos preparando já, para que, quando a Quaresma vier, possamos trilhar realmente um caminho de crescimento no amor a Cristo. Já seremos libertos! Que a Quaresma seja então um tempo para servir, assim como Deus disse ao faraó: “Deixa o meu povo ir para o deserto para lá me oferecer um sacrifício de louvor e me amar”. Também nós devemos entrar no deserto da Quaresma com o fim de amar Jesus, finalmente livres do pecado.
Confissão é conversão, e conversão é hoje. Não a adiemos para depois de amanhã. É agora: vamos para Deus! Coragem! Deus quer nos dar o poder de realizar o que Ele quer, como diz S. Agostinho: Da quod iubes et iube quod vis — “Dai-me, Senhor, aquilo que vós mandais e mandai, portanto, o que quiserdes”.
Ele vem com mão poderosa nos dar força e libertar do pecado para que possamos amá-lo. Não é exigência descabida nem pesada dizer-nos o Senhor: “Amai-me de volta”, porque foi para isso que nascemos, foi para a liberdade do amor que Cristo nos libertou.
Autor: Pe. Paulo Ricardo
Fonte: Christo Nihil Præponere