Ascensão do Senhor: a gloriosa partida de Jesus

Já parou pra pensar em quão importante é, para a Igreja e para o homem, o mistério da Ascensão do Senhor? É tão importante que a Igreja reserva um dia especial para voltar seus olhos totalmente a esse mistério desde os primórdios do cristianismo.

Decorridos quarenta dias desde a Páscoa, a Igreja celebra a Solenidade da Ascensão do Senhor, onde Cristo, subindo gloriosamente aos céus, senta-se à direita de Deus Pai, e a Igreja terrestre caminha, anunciando a vitória de Cristo sobre a morte, até que Ele volte uma segunda vez. Cristo parece abandonar a Igreja. Parece que desaparece! Mas a bem da verdade, é que era preciso que Ele subisse aos céus, para que a salvação humana fosse plena.

Qual é o significado da Ascensão do Senhor?

Depois de quarenta dias da sua ressurreição, celebramos o mistério da Ascensão do Senhor. Os relatos bíblicos apontam para a verdade teológica de que Cristo, depois de ter falado e convivido com os discípulos, foi arrebatado ao céu, em corpo e alma, e sentou-se à direita de Deus 1.

Tal verdade de fé não é acidental, e possui um caráter teológico essencial para a compreensão do próprio mistério da Redenção humana, quista por Deus. Com efeito, como ressuscitado, Cristo já havia sido glorificado, como apontam os relatos bíblicos. Mas, nestes 40 dias em que convive e exorta os discípulos, os instruindo para a Igreja que surgiria, permanece em glória ainda velada. O mistério pascal, que abre as portas dos céus aos homens, atinge sua plenitude na ascensão do Senhor 2.

“Esta última etapa permanece intimamente unida à primeira, isto é, à descida do céu realizada na Encarnação. Só aquele que ‘saiu do Pai’ pode ‘retornar ao Pai’: Cristo.” 3 O homem, entregue à própria sorte, não poderia acessar à vida e à felicidade de Deus. Mas com a ascensão do Senhor aos céus, esta porta é aberta ao homem, para que, como membros do único corpo de Cristo, vivam na esperança da vida eterna. 

O mistério pascal, atingindo seu ponto elevado, com Cristo sentado à direita de Deus Pai, inaugura, assim, um tempo em que Ele pode, como mediador, interceder por nós. Sentar-se à direita de Deus Pai significa “a glória e a honra da divindade, onde aquele que existia como Filho de Deus antes de todos os séculos como Deus e consubstancial ao Pai se sentou corporalmente depois de encarnar-se e de sua carne ser glorificada.” 4

Cristo, sentado à direita de Deus, inaugura o seu Reino, um Reino que não terá fim. Na Ascensão, a humanidade é elevada ao mais alto grau de sua dignidade, e, com Cristo reinando definitivamente nos céus, tendo consigo as chaves da morte, pode interceder em nosso favor aqui na terra, enviando-nos o dom do Espírito Santo, que nos auxilia e nos impulsiona, até que cheguemos, definitivamente, a reinar com Cristo, em corpo e alma, nos céus 5

O que dizem as Escrituras sobre a Ascensão do Senhor?


Evangelhos sinóticos


Os relatos são unânimes em afirmar que houve um tempo, limitado, das aparições do Ressuscitado à várias testemunhas, antes da ascensão de Jesus aos céus. Trata-se de garantir que Cristo não está mais no sepulcro, mas que vive. Tais testemunhos devem configurar o ponto inicial da pregação apostólica, após a subida de Jesus aos céus. 

O relato de Lucas impacta no sublime fato de que os discípulos, após terem sido abençoados por Cristo e se despedido Dele de modo definitivo, “voltaram para Jerusalém com grande alegria. E estavam continuamente no templo a bendizer a Deus.”(Lc 24, 53). Contra toda a lógica humana, os discípulos não se sentem abandonados após a Ascensão do Senhor. Pelo contrário: possuem a certeza de uma nova presença de Jesus. Estão certos, como o evangelho de Mateus atesta (cf. Mt 28, 20), que Cristo está com eles sempre, até o fim do mundo, verdadeiramente, de uma maneira nova e com poder. 

Os relatos dos sinóticos apontam, os 3 (Mateus, Marcos e Lucas), para essa verdade: 

“A alegria dos discípulos depois da ascensão corrige a imagem que temos dela. A ascensão não é a partida para uma zona distante do universo, mas a proximidade permanente, que os discípulos sentem tão fortemente que daí lhes vem uma alegria duradoura” 6

Atos dos Apóstolos


O livro dos atos dos Apóstolos, escritos por São Lucas, que escreveu, também, o Evangelho, narra em detalhes a ascensão de Jesus. O relato inicia com um diálogo, com os discípulos, em suas velhas ideias, querendo que Cristo já estabeleça o reino de Israel. Mas Cristo, quebrando mais uma vez as ideias dos discípulos, lhes adverte que receberão a força do Espírito Santo, necessária para a missão que eles devem desempenhar: que é serem testemunhas do ressuscitado até os confins do mundo 7.

O relato dos atos dos apóstolos apontam para a realidade que não compete ao discípulo conjecturar acerca do dia e da hora da história, de um futuro desconhecido. “O cristianismo é presença, dom e dever, sentir-se compensado pela proximidade interior de Deus e, com base nisso, dar ativamente testemunho em favor de Jesus Cristo.” 8

O relato aponta, ainda, para o modo como Cristo foi elevado, por Deus, aos céus. “Dito isso, em sua presença se elevou, e uma nuvem o ocultou de seus olhos” 9. Tal fato, da nuvem, é explicitamente teológico, pois tal nuvem nos recorda diversos momentos em que a manifestação da glória de Deus ocorre nos relatos bíblicos 10. O desaparecimento de Jesus não é, pois, uma viagem rumo às estrelas, mas é, verdadeiramente, a entrada no mistério de Deus. 

Por fim, aparecem dois homens de branco, como na cena do sepulcro 11, trazendo uma mensagem: “porque estais assim a olhar para o céu? Jesus que subiu ao céu, virá do mesmo modo que partiu.” 12 Abre-se, assim, a perspectiva do regresso de Jesus, sua segunda vinda, gloriosa e definitiva. Mas o relato aponta, mais uma vez, para a dimensão de que não compete aos discípulos perscrutar o Céu, e querer conhecer os segredos ocultos de Deus. O dever, urgentíssimo, é o de anunciar Cristo a todos os homens, até que Ele volte! 13

A liturgia da Ascensão do Senhor


A celebração da ascensão do Senhor, como uma festa específica, remonta ao século IV. Atualmente, é celebrada na quinta-feira da VI semana da Páscoa (em alguns lugares, como no Brasil, é transferida para o domingo seguinte, assim como outras solenidade do calendário litúrgico, para facilitar a participação dos fiéis).

No início, as primeiras celebrações da Ascensão do Senhor (Aνάληψη [Analepsis] em grego; Ascensio em latim) se situavam dentro da própria liturgia de Pentecostes. Era a celebração do mesmo mistério salvífico de Cristo, que atingia seu cume máximo de Redenção. Um grande relato, do final do século IV, é de Etérea, ou Egérea, que narra oas festividades de Jerusalém, e mostra como celebravam, unidos, o mistério da Ascensão-Pentecostes. 14

Devido à importância da Ascensão do Senhor, e da numerologia 40 ter seu espaço na liturgia com frequência, passou-se a celebrar, separadamente, ascensão e pentecostes.  As Constituições Apostólicas, importante documento da Igreja de Antioquia do final do século IV, atestam: “Contai quarenta dias após o primeiro domingo [da Páscoa] e, no quinto dia a partir do domingo, celebrai a festa da Ascensão do Senhor” 15

Desenvolveu-se, assim, a liturgia desta grande Solenidade, até chegar às formas que celebramos hoje em dia. Com efeito, a primeira leitura da liturgia aponta para a narração de Lucas, nos atos dos apóstolos, que visa encorajar a comunidade cristã que vacila na fé. Essa é a finalidade do relato: recordar como foram instruídos pelo Senhor a permanecerem firmes, alegres pela missão e pela certeza da contínua presença do Senhor. A segunda leitura é da Epístola de São Paulo aos Efésios, que exorta a recordar que Cristo, vivendo junto do Pai, não pertence ao passado e está perto da comunidade cristã, sendo o fundamento da vida nova operada pelo batismo. O Evangelho coloca em relevo, na liturgia, a missão evangelizadora que brota do envio de Cristo. Uma missão universal e urgente, vinculando os discípulos, de todos os tempos, à missão iniciada por Cristo: a redenção de todo gênero humano.

O que a gloriosa partida do Senhor tem a nos ensinar?


Um primeiro aspecto a ser levado em conta na vivência interior de tão sublime mistério, é a constatação de que, com a Ascensão do Senhor, a humanidade finalmente entrou no céu. É motivo de esperança e de consolo constatar que, mesmo diante de tantos males, de tantos sofrimentos neste vale de lágrimas, o gênero humano possui salvação. Cristo já venceu! E com Ele, a Igreja pode cantar e se rejubilar, pois possui a certeza da fé de, com o auxílio do Paráclito, prometido por Cristo, vencer cada obstáculo que se apresentar no caminho. A exemplo dos primeiros cristãos, se alegar por ser considerado digno de sofrer pelo nome do Senhor. 

Outro grande aspecto, que os discípulos entenderam, e que a Igreja deve entender em todos os tempos, é o de renovar o seu ardor missionário. A missão tem urgência! A salvação dos homens é urgente. Assim como os Atos dos apóstolos elucidam, não pode a Igreja correr o risco de, ficando presa em vicissitudes acidentais, olhando ingenuamente ao céu, esquecer-se que os homens podem se perder e serem condenados ao inferno por não possuir quem anuncie a eles a salvação que se dá em Cristo Jesus. Hoje, mais que nunca, o aspecto missionário precisa ser renovado, com a mesma ousadia que os primeiros cristãos  tiveram, mesmo que ante sofrimentos, perseguições e censuras.

Por fim, mesmo que não saibamos nem o dia nem a hora em que Cristo voltará, não quer dizer que devamos viver despreocupados. A salvação é urgente! A nossa e a de nossos irmãos, pois os tempos são abreviados, como diz São Paulo. Não podemos correr o risco de sermos surpreendidos pelo Senhor, que virá, da mesma forma gloriosa com o qual subiu aos céus, mas virá como um ladrão. Devemos viver no mundo, sem ser dele, nos preparando para com Cristo reinar, à direita de Deus Pai. Viver no mundo, evangelizar e salvar a tantos quantos pudermos, mas sem esquecermo-nos de permanecer com nossos olhos da fé, sempre fixos no Senhor.


Referências
  1. cf. Mc 16, 19[]
  2. cf. CIC 660[]
  3. CIC 661[]
  4. São João Damasceno, De fide orthodoxa, 4, 2, 2: PG 94,  1104D[]
  5. cf. CIC 667[]
  6. RATZINGER, Joseph. Jesus de Nazaré, p. 550[]
  7. cf. At 1, 6-8[]
  8. RATZINGER, Jospeh. Jesus de Nazaré, p. 550[]
  9. At 1, 9.[]
  10. cf. Mt 17, 5; Mc 9, 7; Lc 9, 34-35; Lc 1, 35; Ex 40, 34-35; Ex 13, 21-22[]
  11. cf. Lc 24, 4[]
  12. cf. At 1, 11[]
  13. cf. RATZINGER, Joseph, Jesus de Nazaré, p. 554[]
  14. ETÉRIA. Peregrinação ou Diário de Viagem (Itinerarium ad loca sancta), cap. 43; in: CORDEIRO, José de Leão [org.]. Antologia Litúrgica: Textos litúrgicos, patrísticos e canónicos do primeiro milénio. Fátima: Secretariado Nacional de Liturgia, 2003, p. 461[]
  15.  
  16. CONSTITUIÇÕES APOSTÓLICAS (Constitutiones Apostolorum), V, 20. in: CORDEIRO, osé de Leão [org.]. Antologia Litúrgica: Textos litúrgicos, patrísticos e canónicos do primeiro milénio. Fátima: Secretariado Nacional de Liturgia, 2003 , p. 414[]


    Fonte: Minha biblioteca Católica