O ressurgimento da religiosidade na contemporaneidade desafia as respostas tradicionais formuladas pela academia para o problema religioso, que muitas vezes não mais satisfazem. Utilizando as próprias categorias do pensamento pós-moderno, especialmente as do filósofo italiano Gianni Vattimo, refletiremos sobre como a pós-modernidade favorece esse retorno e enfraquece as razões do ateísmo.
Historicamente, a academia abordou a religião sob o prisma do positivismo e do historicismo, considerando-a um resíduo destinado a desaparecer com o avanço da ciência, da razão e da tecnologia. No entanto, no contexto pós-moderno, tais respostas são insatisfatórias, pois se baseiam em metanarrativas que perderam seu poder de explicação universal.
A pós-modernidade, caracterizada pelo fim das metanarrativas, como descrito por Jean-François Lyotard, e pela superação da metafísica, conforme Heidegger e Nietzsche, abriu caminho para o renascimento da religião. O contexto pós-metafísico enfraqueceu as bases filosóficas do ateísmo, que tradicionalmente se sustentavam na crença em uma ordem objetiva e na capacidade da razão de apreender essa ordem. Ao abandonar a pretensão de uma verdade objetiva e universal, a pós-modernidade libera a metáfora e legitima múltiplas narrativas, incluindo as religiosas. O enfraquecimento da razão e a liberação da metáfora permitem que se fale novamente de Deus, anjos, demônios e salvação, reconfigurando o espaço para o sagrado na experiência comum e na linguagem filosófica.
O fim da metafísica resulta no enfraquecimento da razão, criando um ambiente onde a religião pode ressurgir sem a oposição das antigas certezas filosóficas. A filosofia pós-metafísica, ao reconhecer o ser como evento e não como estrutura objetiva, se abre para novas formas de linguagem que permitem e legitimam o discurso religioso e a religiosidade. Este renascimento é uma consequência legítima do processo pós-moderno, que desacredita as grandes narrativas e legitima múltiplas perspectivas.
A famosa afirmação de Nietzsche sobre a “morte de Deus” não é necessariamente uma declaração de ateísmo, mas a proclamação do fim da metafísica. Tal afirmação simboliza a dissolução de uma ordem objetiva do ser, eliminando a possibilidade de uma fundamentação última do conhecimento. Heidegger continua essa linha de pensamento, ao propor uma filosofia que vê o ser como um evento, abrindo espaço para a pluralidade de interpretações e experiências religiosas.
O renascimento da religião se manifesta de várias formas, desde o retorno às tradições locais até a proliferação de experiências religiosas heterodoxas. Vários fatores estão na origem do fortalecimento do fenômeno religioso, como a busca pelo sentido da vida favorecido pela experiência do mistério; grupos sociais encontram na religião uma identidade que os proteja do anonimato urbano, resultando em um retorno às doutrinas mais rígidas; os problemas éticos e ambientais impulsionam o pensamento católico, que oferece respostas claras e rigorosas onde a filosofia laica falha com seu ceticismo; o desencantamento com utopias e o triunfo do neoliberalismo facilitam uma maior visibilidade das crenças religiosas; a globalização e a consequente massificação cultural provocam um retorno às tradições locais e à necessidade de pertença.
Assim, o renascimento da religião na contemporaneidade, favorecido pelo fim das metanarrativas e pela superação da metafísica, desafia as antigas certezas do ateísmo filosófico. A pós-modernidade, com seu pluralismo e enfraquecimento da razão, cria um espaço onde a religião pode novamente florescer, sendo importante que a filosofia crítica se debruce sobre esse fenômeno para evitar excessos e fundamentalismos.
Nesse sentido, a filosofia pós-metafísica, ao pensar o ser como evento e não como estrutura objetiva, oferece uma base para exercer sua crítica e se debruçar sobre as formas contemporâneas do renascimento do sagrado, quando este trai aquelas condições históricas e filosóficas que permitiram seu ressurgimento, caindo em posturas extremistas e intolerantes. Ao reconhecer as razões desse renascimento, podemos melhor compreender o papel vital da religião na sociedade atual e como essa pode humanizar as relações, estabelecer pontes entre os estranhos, acolher o outro em sua alteridade e promover espaços de respeito às diferenças.