A menina Benigna, primeira beata do Ceará

Hoje o Brasil celebra a primeira beata do Ceará. A menina Benigna Cardoso da Silva foi assassinada em 1941 depois de ter sido atacada sexualmente. Desde então passou a ser considerada uma mártir da Igreja Católica. A beatificação de Benigna foi autorizada em 2019 pelo Vaticano, mas teve de ser adiada pela pandemia.

Quem é a beata Benigna?

No dia 15 de outubro de 1928, nasceu Benigna Cardoso, no Sítio Oiti, em Santana do Cariri, no interior cearense. A menina de vestido vermelho e branco é representada em todos os cantos dessa cidade no Ceará e atrai milhares de fiéis todos os anos.

Nos 13 anos que viveu, tornou-se conhecida por dar mostras de fé e de virtudes, tida por caridosa e delicada. Gostava de brincar com os irmãos e às sextas acompanhava sua avó para ir à igreja rezar.

Sua amiga e vizinha, Nair Sobreira Feitosa, relata como foi a vida de Benigna:

“Ela já era santa em vida. Era uma menina muito diferente das outras, em tudo dela tinha a palavra de Deus. Ela ficava falando para mim o que ela leu na Bíblia dela e foi ela quem me ensinou as primeiras orações: Pai-Nosso, Ave Maria e Creio em Deus Pai”.

Foi aos 13 que foi assassinada. Sofreu o martírio após resistir a uma tentativa de estupro. Por ter preferido resistir a perder a pureza, ficou conhecida como “Heroína da Castidade”. O martírio se dá quando uma pessoa prefere perder a vida a ter que trair sua convicção, no caso, religiosa.

Benigna Cardoso alertou para a família e ao padre Cristiano Coelho que um garoto a estava perseguindo e mandava cartas com frequência. A menina foi retirada da escola que frequentava em Inhumas e levada para uma unidade na sede de Santana do Cariri.

Seu irmão, Cirineu, passou a esperá-la na saída do colégio para acompanhá-la até em casa, por segurança. Mas seu perseguidor, Raimundo Alves Ribeiro, o “Raul”, na época com 17 anos, conseguiu encontrá-la.

Benigna cultivava plantas medicinais e flores. Com autorização da família, diariamente buscava água na cacimba a poucos metros de casa.

Foi assim que Raul, escondido na vegetação, tentou agarrá-la. Diante da resistência da menina, ele a feriu com um facão nas mãos, cabeça, rins e, por fim, desferiu um golpe fatal no pescoço.

A recusa da menina Benigna, junto à fé e devoção cristã, tornaram-na uma mártir que move romarias até hoje. Após sua morte, ela passou a ser venerada como mártir na Região do Cariri.

O local onde a menina morreu abriga um santuário que passou a ser um ponto de peregrinação. O responsável pelo santuário é o Senhor Francisco, um devoto da menina beata e que conviveu com ela por um tempo.

O cuidador do santuário relata que o local recebeu uma visita muito importante. O assassino Raul Alves visitou o santuário 40 anos depois do incidente.

“Quando ele veio, ele chorou muito aqui e testemunhou que era devoto de Benigna”, relata o Senhor Francisco.

O assassino ficou pouco tempo preso, uma vez que era menor de idade, mas o cuidador do santuário relata a transformação do assassino, que se converteu graças a beata Benigna.

Qual o milagre de Benigna?

A devoção à Menina Benigna conta com histórias de milagres atribuídos à cearense. O mecânico aposentado Tarcisio Linard é um dos exemplos. Linard fraturou a mão e contraiu tétano enquanto trabalhava.

Com o risco de perder a mão, o mecânico rogou a santa popular de sua cidade natal, de quem ouvia falar desde a infância. “Minha mãe a conheceu e cresci rezando por ela”, contou Tarcisio Linard.

Dois médicos apontaram a necessidade de intervenção cirúrgica para conter a infecção. A amputação parecia inevitável.

No dia de sua alta hospitalar, Tarcisio foi preencher a documentação e agradecer aos médicos responsáveis pela cirurgia. Os funcionários do hospital afirmaram que não houve nenhuma operação.

“Me falaram que tinham apenas engessado meu braço”, relata o mecânico.

O mecânico tirou o gesso e mostrou a suturação na sua mão, cicatriz que carrega até os dias de hoje.

“Aí ficaram sem saber, mas a atendente disse: ‘Aqui é que não foi [a cirurgia]’”.

“Logo entendi que recebi um milagre e não pensei duas vezes em voltar para Santana”, relembra Tarcisio.

Outro exemplo de milagre atribuído à menina beata, é a história de Maria Eunice Félix. Diagnosticada com câncer maligno, a mulher recorreu à intercessão de Benigna.

Após uma cirurgia, relata:

“Quando fez a cirurgia, faz outro exame e aparece que o câncer é benigno. Daí eu me lembrei: a menina Benigna me curou”.

Como foi o processo de beatificação?

Mesmo com diversos relatos de milagres, o processo de beatificação oficial de Benigna começou em 2013 e durou 6 anos. O pedido pela beatificação da menina, já considerada uma santa popular pelos devotos da cidade de Cariri, foi feito em 2011.

Em 2013, o pedido foi aprovado pela Sagrada Congregação que deu início ao processo. Em 2019, a Diocese do Crato recebeu do Vaticano o “Nihil Obstat”, ou seja, o “Nada Impede”, autorização necessária para que se inicie o processo da busca pelo título de beata.

No mesmo ano, o Papa Francisco reconheceu que Benigna morreu motivada pela fé, o critério que fez o Pontífice reconhecê-la como beata-mártir. A menina se tornou a primeira beata cearense e a quarta mártir do Brasil.

A promulgação do decreto no qual o Papa Francisco autoriza a beatificação e reconhece o martírio de Benigna data de 2 de outubro de 2019. A beatificação deveria ter acontecido em 2020, mas foi adiada devido à pandemia da Covid-19.

Dom Roberto Lopes, delegado especial para a Causa dos Santos da Arquidiocese do Rio de Janeiro, declarou:

“Ela morreu porque ela quis professar sua fé, ela morreu na pureza”.

O delegado reconheceu a importância da fé dos fiéis no reconhecimento dado pelo Papa Francisco.

A história da cearense comove fiéis desde então e católicos pedem a intercessão de Benigna para alcançar graças como a recuperação da saúde. Histórias de milagres e homenagens em romarias mobilizam a fé no Estado.

A memória de Benigna move a fé dos católicos e a data da morte da cearense acontece com homenagens. Em Santana do Cariri, cerca de 30 mil pessoas são recebidas na cidade todo ano, segundo estimativas da Secretaria de Turismo do Município.

As romarias contam com canções populares, Missas, procissões junto à imagem da menina beata e pessoas vestidas com roupas vermelhas com detalhes brancas, como era o vestido de Benigna no dia de seu martírio.

Essas visitas à cidade são feitas em romarias desde 2003 e muitas mulheres e crianças vão até o Sítio Oitis, onde vivia Benigna, a 2 quilômetros da sede do município de Santana do Cariri.