Celibato: castração ou resposta de amor?

ATUAL CONTEXTO, PRINCIPAIS DESAFIOS.

Dentre as realidades que encontramos na Igreja talvez o celibato seja uma das menos compreendidas e mais questionadas. Na causa de tal situação pode-se verificar vários fatores, dentre os quais se destaca o atual contexto erotizado, onde se faz uma equivocada interpretação da sexualidade humana, o materialismo que pretensiosamente dissemina a mentalidade da construção de “paraísos terrestres”, o hedonismo, que ilusoriamente quer nos levar a acreditar que a verdadeira felicidade esta no prazer pelo prazer, e o ateísmo prático, onde se diz crer em Deus, mas, se vivi como se Deus não existisse.

Tal situação favorece questionamentos do tipo: “Se Deus fez o homem e a mulher um para o outro, porque tem gente na Igreja que não se casa?” “Se o instinto sexual é algo natural no ser humano, não séria contra a natureza humana abster-se do mesmo?” “Será que, se os Padres pudessem casar, não resolveria o problema dos escanda-los na Igreja?” “Porque os padres não se casam, se os Apóstolos eram casados?”

Essas são apenas algumas das muitas questões com as quais se “bombardeia” esse estado de vida. Faz-se, então necessário conhecer melhor essa vocação, não somente para dar adequadas respostas, mas, principalmente contemplar o mistério e a beleza presentes na mesma, pois, o celibato é um dom, um chamado e não uma invenção humana, que só será compreendido na ótica da fé.

OS FUNDAMENTOS BÍBLICOS DO CELIBATO.

O celibato não é algo desprovido de fundamentos Bíblicos, pois, se em alguns trechos a Bíblia diz, que “o homem deve deixar sua casa e unir-se a sua mulher” (GEN 2,22) e que “os maridos devem amar suas esposas como Cristo amou a Igreja e que as esposas devem ser submissas aos maridos, como a Igreja é a Cristo” (EFE 5,25-33), em outros ela “Bíblia”, também traz a possibilidade do celibato, como por exemplo, o profeta Jeremias, o único celibatário descrito no Antigo testamento (JER 16,1-3), já no Novo testamento podemos destacar São Paulo (1COR 7,1-39) e principalmente o próprio Jesus.

Nesse sentido destaca-se a passagem do evangelho de Mateus que diz:

Com efeito, há eunucos que nasceram assim, desde o ventre materno. E há eunucos que foram feitos eunucos pelos homens. E há eunucos que se fizeram eunucos por causa do reino os céus. Quem tiver capacidade para compreender, compreenda!” (MT19,12).

Temos aqui três situações diferentes, que para serem mais bem compreendidas devem-se levar em consideração que os eunucos eram funcionários da nobreza, castrados a fim de cuidarem das mulheres da realeza, a partir disso se entende que Jesus se serve dessa realidade comum em sua época para ensinar, que alguns seriam “eunucos desde o ventre”, ou seja, não contrairião o matrimônio devido a questões naturais, tais como circunstâncias fisiológicas ou psicológicas; outros seriam “feitos eunucos pelos homens”, isto é, por alguma circunstância provocada pelo próprio homem, seriam impossibilitados para o matrimônio e outros que “se fariam eunucos por causa do reino dos céus”, esta terceira situação corresponde aqueles que mediante ao chamado (dom de Deus), optam em exercício consciente de sua liberdade por não contrair o matrimônio, a fim de fazer uma entrega a Deus com um “coração indiviso estando assim mais disponíveis para viver a intimidade com Deus e mais livres para o serviço do reino.

A HISTÓRIA DO CELIBATO.

O celibato, apesar de não ser um dogma (impassível de mudanças) é algo assumido pela disciplina da Igreja, sendo que isso não ocorreu “da noite para o dia”, é antes fruto de discernimentos feitos a partir da prática pastoral e discussões teológicas, em outras palavras, se trata de algo amadurecido, fundamentado teológica e espiritualmente. Para verificar isso basta recorrer à história da igreja, o que nos levará também a entender mais a posição do magistério em relação a tal realidade, pois, muitas vezes não se compreende melhor o presente por não se conhecer mais o passado.

É certo que na Igreja primitiva os padres e até mesmo Papas tinham esposas, toda via, há de se considerar também, que nesse período o celibato não era uma realidade inexistente, é o caso, por exemplo, já citado do Apostolo São Paulo, ou seja, no período Apostólico, apesar do celibato não ser algo canonicamente obrigatório para os ministros ordenados, na prática já era algo assumido por alguns.

No ano de 295 a 302 d.C, ocorreu o concílio de Elvira que definiu o celibato obrigatório, contudo, somente a nível local. Em 323 o concílio de Nicéia orientou os membros do clero a não morar com mulheres, a não ser que fossem parentes como, a mãe, a tia, ou irmãs. Entre os anos de 440 a 461, Leão Magno instituiu várias leis em relação ao Celibato, sendo que em 451 o concílio de Calcedônia determinou oficialmente o celibato para monges e virgens. No século XI, devido a um período de degradação moral do clero, os Papas Leão IX (1139-1054) e posteriormente Gregório VII (1073-1085) ampliaram as leis do celibato. Em 1139, no primeiro concílio de Latrão, essas leis quanto ao celibato clerical foram reforçadas. Deve-se levar em consideração que neste período, o celibato já era aceito e visto pela maioria como algo necessário. O quarto concílio de Latrão (1215) assume a mesma postura. Mas, é somente no concílio de Trento (1545-1563), que o celibato é definido como uma disciplina obrigatória para toda igreja Latina, inclusive para o clero secular. Ainda reafirmando essa decisão e orientando quanto a mesma temos, a encíclica Sacra Virginitas de Pio XII (1965), o documento Presbyterum ordinis n.16 e Optatum totius,n.10, a encíclica Sacerdotales caelibus do Papa Paulo VI de 1967, e de 1971  Sacerdotio ministerial.

EQUIVOCOS SOBRE O CELIBATO.

Celibato é Castração?

Não, pois, devemos considerar que a energia sexual, denominada pela psicanálise como libido não encontra no ato sexual sua única maneira de expressão, ou seja, esta pode sadiamente ser expressa de outras maneiras, em outras palavras, o celibatário se abstem do ato sexual, não porque, esteja reprimindo seus instintos, ou, seja impotente, mas, faz isso por motivos “mais altos”, isto é, por motivações espirituais e teológicas, isso significa que nesse caso o desejo sexual natural do ser humano não é ignorado ou negado, mas, direcionado para uma “fecundidade espiritual” na vivência de uma “paternidade ou maternidade espiritual” que se dá por meio de uma doação integral em prol do reino de Deus, o que garante um relacionamento sadio com a realidade sexual desde o ponto de vista da fé como também da ciência.

Castidade e celibato são a mesma coisa?

Apesar de inseparáveis são coisas diferentes. Celibato é uma forma particular de viver a castidade, e está é por sua vez , uma virtude necessária em todos os estados de vida, ou seja, tanto o celibatário como aquele que discerniu pelo matrimônio, mesmo que de maneiras diferentes, precisam viver a castidade, pois, é ela que protege o amor do egoísmo, nos levando a amar na verdade, ou seja, a um amor autêntico, em suma, a castidade é essencial para a vivência do amor no celibato e este é uma forma de expressão da mesma.

Ser celibatário é ser “Solteirão”?

O celibatário não é um isolado, um antisocial, ou alguém que não assumiu o matrimônio motivado por egoísmos, ou que ficou travado em suas relações afetivas devido a decepções ao longo de sua história, mas, se trata de uma pessoa, que de maneira livre e generosa vive o amor em sua relação com Deus e com os irmãos, ou seja, que não se omite do compromisso de amar, da vivência da esponsalidade, em resumo, a pessoa do celibatário não é “solta”, descomprometida, fechada em si mesma, não é aquela que não consegue amar, mas aquela comprometida com o bem de todos, em outras, é aquela que ama muito.

O celibato é só para Padres?

Não, pois, há homens e mulheres que assumindo um carisma, um dom, um chamado deixam tudo, inclusive a possibilidade do matrimônio, por causa do reino dos céus, no entanto, não aspiram ao sacerdócio, em outras palavras, todo sacerdote da Igreja Católica Apostólica Romana é celibatário, mas, nem todo celibatário é chamado ao sacerdócio ministerial.

CELIBATO, SINAL DE CONTRADIÇÃO.

A vocação do celibato não será compreendida e nem tão pouco aceita por todos, como dar a entender o próprio Jesus ao dizer:

Nem todos são capazes de compreender essas palavras, mas, só aqueles a quem é concedido.”(MT 19,11)

Compreende-se assim a partir desse trecho Bíblico que o celibato é uma manifestação “da sabedoria da Cruz, que para este mundo é loucura” (1Cor 1,18), é profecia de uma realidade que será vivida plenamente no céu ,mas, que de algum modo já é vivida e anunciada aqui, como  sinal que aponta para aquilo que esta por vir, em outras palavras, a vida do celibatário é uma profecia que anuncia que fomos feitos para uma núpcia eterna com Deus, por isso, é algo valido para toda e qualquer época, porque, não possui seus fundamentos na chamada “evolução do pensamento”, mas, numa realidade sobrenatural, no querer de Deus. A partir disso se conclui, que o celibato não esta ultrapassado,      “fora de moda”, somente, não esta sendo compreendido em seu real significado, ou seja, não esta sendo visto como o mistério Divino que é.

Então, se você se sente chamado a tão grande vocação, a conhecer e “mergulhar” mais em tão grandioso mistério, não tenha medo de aprofundar seu discernimento, mesmo que para isso tenha que “remá contra a maré” de algumas atuais mentalidades, não tenha medo de correr o risco de ser incompreendido (a), rejeitado (a) e até mesmo taxado de louco (a), lembre-se que a verdadeira felicidade e liberdade, esta em fazer a vontade de Deus. Recordemos sempre que se Deus nos chama também nos dará a graça para respondermos, se nos pede também nos dará a graça para realizarmos, afinal de contas este estado de vida, apesar de se concretizar por meio do sim de homens e mulheres, não é iniciativa humana, se fosse seria um desastre! Trata-se antes, de um dom de Deus, de um chamado, de uma realidade sonhada, realizada e sustentada por Ele! Por isso, resta-nos em uma atitude de gratidão dizer o que já dizia São Paulo: “se Deus está conosco, quem estará contra nós?” (ROM 8,31)  ou  ainda como mesmo Apostolo dizer; “tudo posso naquele que me fortalece”. (FIL 4,13)

Deus o Abençoe! Abraços Fraternos!

MISSIONÁRIO: Seminarista Bruno Oliveira Pereira