É estranho celebrar com uma festa litúrgica a Santíssima Trindade, pois a Trindade Santa é celebrada em toda a vida cristã e, particularmente, em toda e cada Eucaristia. Recordemos que a Missa é glorificação da Trindade Santíssima, na qual o Filho se oferece e é por nós oferecido ao Pai no Espírito Santo, para a salvação nossa e do mundo inteiro. Mas, aproveitando a festa hodierna, façamos algumas considerações que nos ajudem na contemplação e adoração desse Mistério tão santo, que nos desvela a vida íntima do próprio Deus.
Poderíamos começar com uma pergunta provocadora: como a Igreja descobriu a Trindade? Descobriu, como duas pessoas se descobrem: revelando-se! Duas pessoas somente se conhecem de verdade se conviverem, se forem se revelando no dia-a-dia, se se amarem. Só há verdadeiro conhecimento onde há verdadeiro amor. É costume dizer-se que ninguém ama o que não conhece; pois, que seja dito também: ninguém conhece o que não ama. O amor é a forma mais profunda e completa de conhecimento! Foi, portanto, por puro amor a nós, à nossa pobre humanidade, que Deus quis dirigir-se a nós, revelar-se, convivendo conosco, abrindo-nos seu coração, dando-nos a conhecer e a experimentar seu amor… E fez isso trinitariamente! Então, desde o início, a Igreja experimentou Deus na sua vida concreta, e o experimentou trinitariamente, como Pai, como Filho e como Espírito Santo. Antes de falar sobre a Trindade, a Igreja experimentou a Trindade!
Primeiramente, o Senhor Deus incutiu no coração do povo de Israel e da própria Igreja que ele é um só: “Ouve, ó Israel, o Senhor nosso Deus, o Senhor é um só!” É Um porque não pode haver outro ao seu lado, Um porque não pode ser multiplicado, Um porque não pode ser dividido e Um porque deve ser o único horizonte, o único apoio, a única rocha de nossa existência: Ele, o Senhor Deus, é o único absoluto, o único que é, sem princípio e sem fim, sem mudança e sem limite! Jamais poderemos imaginar tal grandeza, tal plenitude, tal suficiência de si mesmo! Deus É – e basta! Tudo o mais apenas existe porque vem dele, daquele que É! Mas, ele não é um Deus frio: sempre apresentou-se ao povo de Israel como um Deus amante, um Deus de misericórdia e compaixão, um Deus que não sossega enquanto não levar à plenitude da vida as suas criaturas. Por isso, com paciência e bondade, conduziu o seu povo de Israel, formando-o, educando-o, orientando-o e prometendo um futuro de bênção e plenitude, de eternidade e abundância de dons, que se concretizaria com um personagem que ele enviaria: o Messias, seu Ungido.
Esse Messias prometido, nós, cristãos, o reconhecemos em Jesus, nosso Senhor. Ele é o enviado de Deus, do Deus único, Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó, Deus do povo de Israel. A esse Deus tão grande e tão santo, Jesus chamava de Abbá – Papai: o meu Papai! A si mesmo, Jesus se chamava “o Filho” – Filho único, unigênito de Deus, Filho Amado! Mais ainda: o próprio Jesus, que veio para nós e por amor de nós, agiu neste mundo, em nosso favor, com uma autoridade que ultrapassava de longe a autoridade de um simples ser humano: ele agia como o próprio Deus. Não só interpretava a Lei de Moisés, como também a modificou e a ultrapassou; perdoava os pecados, exigia um amor e uma obediência absolutos à sua pessoa… amor que somente Deus pode exigir. Jesus se revelava igual ao Pai, absolutamente unido a ele: “Eu e o Pai somos uma coisa só! Quem me vê, vê o Pai. Eu estou no Pai e o Pai está em mim”. Após a Ressurreição, a Igreja compreendeu, impressionada, maravilhada: Jesus não somente é o enviado daquele Deus a quem chamava de “Pai”, mas ele é igual ao Pai: ele é Deus como o Pai, é eterno como o Pai, é o Filho amado pelo Pai desde toda a eternidade. Então, o Deus de Israel é Pai, Pai eterno, Pai eternamente, que eternamente gera no amor o Filho amado. Por amor, ele nos enviou este Filho: “Verdadeiro homem, concebido do Espírito Santo e nascido da Virgem Maria, viveu em tudo a condição humana, menos o pecado. Anunciou aos pobres a salvação, aos oprimidos, a liberdade, aos tristes, a alegria”. E para realizar o plano de amor do Pai, “entregou-se à morte e, ressuscitando dos mortos, venceu a morte e renovou a vida”.
Mas, há ainda mais: o Filho, ressuscitado e glorificado, derramou sobre seus discípulos o Espírito Santo, que é o próprio Amor que o liga ao Pai. Este Espírito de Amor não é uma coisa, não é simplesmente uma força, não é algo: é Alguém, é o Amor que une o Pai e o Filho, e agora é, na Igreja de Cristo, o Paráclito-Consolador, Aquele que dá testemunho de Jesus morto e ressuscitado, Aquele que vivifica e orienta a Igreja, Aquele que renova em Cristo todas as coisas. Ele é o Dom que o Filho ressuscitado recebeu do Pai e derramou sobre a Igreja, para santificar todas as coisas. Este Espírito permanece no nosso meio na Palavra e nos Sacramentos; este Espírito conserva a Igreja unida na mesma fé e na mesma caridade fraterna, este Espírito é a Força divina, a Energia criadora que nos ressuscitará, como ressuscitou o Filho Jesus para a glória do Pai.
É assim que a Igreja confessa um só Deus, imutável, indivisível, perfeito, eterno, absolutamente um só. Mas confessa e experimenta igualmente que este Deus único é real e verdadeiramente Pai, Filho e Espírito Santo, numa Trindade de amor perfeito e perfeitíssima Unidade. A oração inicial da Missa de hoje, exprime este Mistério: “Ó Deus, nosso Pai, enviando ao mundo a Palavra da verdade, que é o Filho, e o Espírito santificador, revelastes o vosso inefável mistério. Fazei que, professando a verdadeira fé, reconheçamos a glória da Trindade e adoremos a Unidade onipotente”.
Continuemos, então, a nossa Eucaristia, na qual torna-se presente sobre o Altar a oferta do Filho que, por nós, entregou-se ao Pai num Espírito eterno.
Ao Pai, ao Filho e ao Santo Espírito, Trindade santa a consubstancial, a glória e o louvor pelos séculos dos séculos. Amém.