São João Batista não foi o único a comparar Nosso Senhor a um cordeiro, quando disse a famosa frase: “Eis o Cordeiro de Deus, aquele que tira o pecado do mundo” (Jo 1, 29). No Antigo Testamento, ao profetizar sobre o servo sofredor, Isaías recorre à mesma analogia, porém, sob outro aspecto: “Oprimido, ele se rebaixou, nem abriu a boca! Como cordeiro levado ao matadouro ou ovelha diante do tosquiador, ele ficou calado, sem abrir a boca” (Is 53, 7).
O grande orador francês Jacques Bossuet, comentando esse exato trecho das Escrituras, tece as seguintes e belas considerações:
“Se um homem se vê incapaz de resistir à violência, ele pode às vezes salvar a si mesmo fugindo; se não pode evitar ser levado como prisioneiro, pode ao menos se defender quando é acusado; ou, se é privado dessa liberdade, pode sempre achar algum alívio na sua angústia, seja reclamando veementemente da injustiça com a qual está sendo tratado, seja gemendo e lamentando por causa de seus sofrimentos. Não no caso de nosso Divino Senhor. Por Sua própria vontade, Ele deixa de lado todos esses poderes; no Filho de Deus, eles foram todos agrilhoados, até mesmo a Sua língua foi amarrada. Quando O acusam, Ele não responde; quando O batem, Ele não murmura, nem mesmo um mínimo gemido ou suspiro, como os fracos e oprimidos proferem, na esperança de revirar alguma piedade nos corações de seus algozes. Ele não abre a boca (Is 53, 7). Mais do que isso, Ele nem mesmo desvia a Sua cabeça dos golpes cruéis que chovem sobre ela; Ele permanece imóvel, não fazendo esforço para fugir de nem uma única pancada.” [1]
A imagem passada pelo panegirista é exata: ele não quis dar muita atenção ao fato de que Cristo, sendo Deus, podia fazer cessar todo aquele crime com um simples ato de vontade divina. Também enquanto homem, a Sua humilhação foi perfeita. Tão perfeita, que o profeta, ao falar de Seu silêncio, prefere compará-Lo a um cordeiro mudo que a um ser humano. Qualquer homem – discorre bem Bossuet – procuraria fugir, defender-se ou mesmo gritar contra aqueles que o prendiam. Cristo, não. Ele quis elevar ao extremo a imagem do cordeiro: tirou os pecados do mundo, mas sem gritar nem levantar a voz (cf. Is 42, 2); foi imolado verdadeiramente, mas em silêncio.
O Seu silêncio e paciência são ainda mais admiráveis se se leva em conta, como diz Santo Tomás de Aquino, que as dores que Ele sofreu são as maiores pelas quais um homem poderia passar [2]. Não apenas pelo gênero dolorosíssimo de sua morte, que foi a crucifixão. Os estudiosos modernos têm feito os seus cálculos e não hesitam em concluir que existem métodos de execução mais cruéis do que a morte na cruz. Sem entrar no mérito da questão, porém, não é apenas isso o que faz a paixão de Cristo ser o pior de todos os sofrimentos. É o fato de ser a Sua humanidade perfeitíssima o que tornam soberanamente piores os seus suplícios. Senão, vejamos.
Santo Tomás considera, entre as causas da dor interna do Redentor: ” em primeiro lugar, todos os pecados do gênero humano”. Essa dor nele “excedeu todas as dores de qualquer pessoa contrita, seja porque proveniente de uma sabedoria e caridade maiores, que fazem aumentar a dor da contrição, seja também porque foi uma dor por todos os pecados ao mesmo tempo” [3]. Em segundo lugar, o Aquinate põe a causa da “perda da vida corporal, que por natureza é horrível à condição humana”. Noutro lugar, porém, além de ressaltar a repugnância natural de qualquer homem à morte, ele lembra que “Cristo foi virtuosíssimo. Logo, amou a sua vida de modo superlativo. Por isso, a dor pela perda de sua vida foi máxima” [4].
Como remate, o Doutor Angélico trata de ressaltar “a extensão do sofrimento pela sensibilidade do paciente”:
“Porque Cristo tinha uma ótima compleição física, já que seu corpo fora formado milagrosamente por obra do Espírito Santo, (…) nele era agutíssimo nele o sentido do tato, com o qual se percebe a dor. Igualmente a alma, com suas forças interiores, captava de modo intenso todas as causas de tristeza.”
Eis, pois, a grandeza da entrega de Cristo. Mesmo carregando o pesado fardo de todos os pecados; mesmo experimentando com agudez singular cada pancada, cada chicote, cada espinho, cada prego; mesmo tendo diante de Si a própria morte, Ele “ficou calado, sem abrir a boca”.
Olhemos para o silêncio paciente do Cordeiro de Deus. Consideremos a insignificância dos sofrimentos por que passamos e, ao mesmo tempo, a impaciência com que enfrentamos todos eles; o pequeno ruído que fazem as dores que padecemos e, em contraste, os grandes murmúrios que soltamos diante delas; as cruzes serenas que nos visitam e, por outro lado, as palavras amargas com que as recebemos de Deus.
Por amor, entreguemos também nós a nossa vida, “como cordeiro levado ao matadouro”, como “ovelha diante do tosquiador”. Sem gritarias. Sem espalhafatos. Porque foi assim que morreu Nosso Senhor. E é também assim que queremos morrer, dia após dia, até o final das nossas vidas (cf. Lc 9, 23).