O Espírito Santo “abandona as almas que, não tendo o cuidado de estar recolhidas a seus pés, preferem dissipar-se em distrações e esbanjar com fantasias e pensamentos inúteis o tempo precioso que deveriam passar com Ele”.
Considerai primeiro que uma alma que tenha sido agraciada com a visita do Espírito Santo, se deseja preservar a felicidade que aí encontra, deve ter o cuidado de O tratar da maneira adequada. Com efeito, se ela dá pouca ou nenhuma atenção a esse divino hóspede; se logo dá-Lhe as costas para voltar-se a qualquer divertimento ocioso e inoportuno que se lhe ofereça; se não procura recolher-se para O encontrar; se enfim não ama tratá-lO na intimidade, sem demora O há de perder e afastar de si. Pois a delícia do Espírito Santo é estar com quem ama estar com Ele. Espera esse divino hóspede que correspondamos ao seu amor, e por essa razão abandona as almas que, não tendo o cuidado de estar recolhidas a seus pés, preferem dissipar-se em distrações e esbanjar com fantasias e pensamentos inúteis o tempo precioso que deveriam passar com Ele.
Ó minh’alma, não é este o estado em que tantas vezes te encontras? Dentre as muitas coisas que de hora em hora ocupam-te a mente ao longo do dia, quantas são as proveitosas? quantas as que poderiam pensar-se na presença do Espírito Santo? Como então esperas que Ele permaneça contigo, se tu mesma introduzes tais companhias no cômodo que Lhe está reservado?
Considerai, em segundo lugar, que o Espírito de Deus, assim como não irá habitar numa alma que, deixando de recolher o pensamento, faz dEle pouco caso, tampouco o fará numa alma que não O serve com pureza de intenção e afeto. Ele, só, quer ser o dono do coração em que reside e não permitirá que ali se meta um intruso, pois é um amante ciumento que não tolera rivalidades. Ora, um coração que em seus afetos divide-se entre o Criador e a criatura repele o Espírito Santo: Ele não suportará qualquer divisão; Ele quer apoderar-se sozinho de todo o coração: ou Ele ou ninguém mais o possuirá inteiramente.
Cristãos, se de fato aspirais à felicidade de serdes templo do Espírito Santo, não ergais em vossas almas ídolo nenhum, porque são ídolos todos os afetos desordenados, já que por causa deles ao Criador preferis a criatura; e todos os afetos desse tipo são como redes lançadas aos vossos corações para os apartar de Deus. Tornai inocente o objeto do vosso amor, que deixa de sê-lo sempre que é amado sem a devida subordinação ao amor a Deus; ele torna-se impuro, corrompe o coração, espanta o Espírito de Deus, que não desce senão aos limpos de coração.
Considerai finalmente que, para mantermos o Espírito Santo presente em nossa alma, de modo que Ele deseje ali habitar como em seu templo, devemos não apenas manter limpo e imaculado este templo, pois “se alguém destrói o templo de Deus, Deus o destruirá” ( 1Cor 3, 17), mas ainda empenhar-nos em fazer dele uma casa de oração, como deve ser a casa de Deus. Temos de retirar-nos aí com frequência, para adorar em espírito e verdade o Espírito da Verdade. Temos de aplicar as três potências da alma — vontade, memória e inteligência — à tarefa de aí conversarmos na oração mental com o Deus que as criou; o culto a Deus, para o dizer numa palavra, deve ser constante neste seu templo. É esse o meio de O mantermos conosco e transformarmos nossas almas em remanso seu para sempre.
Disso tudo podeis concluir o quão proveitoso é lançar mão de todos esses meios, a fim de entreter essa visita soberana e como “fixá-la” na alma. Dai-Lhe a plena posse de vossa memória e entendimento, atendendo à sua presença com profundo recolhimento; deixai-O, pois, assenhorear-se de vossa vontade mediante a simplicidade de intenção e a pureza de coração e afeto; desse modo, Ele estará convosco para sempre.