Uma famosa oração, atribuída a Santo Agostinho, e rezada por quem se prepara para a Santa Escravidão a Nossa Senhora, possui uma frase digna de profunda meditação: “Ó Jesus, anátema seja quem não Vos ama. Aquele que não Vos ama seja repleto de amarguras.”
Mas, desde quando os santos rezam a Deus pedindo que as pessoas fiquem amarguradas?
Qual é, afinal, o sentido dessas palavras de Agostinho, aparentemente tão severas?
O desejo desse doutor da Igreja é bem simples: que os homens amem a Deus!
E ninguém pense que se trata de uma petição qualquer. As palavras de Agostinho – que não fazem mais que ecoar as do próprio Cristo no Pai Nosso – são a coisa mais importante e valiosa que se pode pronunciar em favor daqueles que se ama. Pois, que bem maior podemos dar aos que amamos, senão Deus mesmo, o único que pode trazer felicidade ao nosso coração? Nenhum bem deste mundo pode saciar a nossa alma e, ainda que pudesse, a morte o levaria embora e o tiraria de nossas mãos… Deus, ao contrário, não só alegra os Seus nesta vida, como lhes reserva uma eternidade ao Seu lado.
A condição para gozar dessa bem-aventurança eterna é uma só: amar a Deus. Por isso, diz São Paulo: “Para aqueles que O amam, Deus preparou coisas que nenhum olho viu, nem ouvido ouviu e nem coração jamais pressentiu” (1 Cor 2, 9).
São muitas, todavia, as coisas que nos afastam dessa divina recompensa, e uma delas são as falsas alegrias do mundo, que substituem o lugar de Deus e nos fazem esquecer d’Ele.
É por isso que, no decorrer de nossa vida, somos assaltados por tantas dificuldades, tristezas, perdas e acidentes – aquilo que as pessoas comumente chamam de “desgraças”, embora a única verdadeira desgraça nesta e na outra vida seja estar afastado de Deus. Todas essas coisas, se vivemos na graça da amizade com Cristo, não devem nos preocupar, já que “tudo concorre para o bem dos que O amam” (Rm 8, 28). Mas, se, ao contrário, vivemos na desgraça do pecado, sem desejo de nos emendarmos e mudarmos de vida, tudo o que nos acontece serve-nos como castigo.
Não nos impressionemos! Embora isso não se ouça mais dos púlpitos de nossas igrejas e certos pregadores cheguem a dizer o contrário, é verdade que Deus castiga. Às vezes, Ele permite que os males desta vida nos visitem, não por ódio ou maldade, mas justamente porque Ele nos ama e quer a nossa salvação! Afinal, qual é o pai que, vendo o seu filho afastar-se e correr velozmente em direção ao abismo, não prefere que ele se acidente, a vê-lo precipitar-se no fosso? Qual é o pai que, vendo o seu filho destruir-se no mundo das drogas, não procura intervir de alguma forma, mesmo que o remédio às vezes lhe doa?
É por isso que Santo Agostinho reza pedindo: “Aquele que não Vos ama seja repleto de amarguras.”
Sim, Senhor, que sejamos repletos de amarguras, enquanto não Vos amarmos por inteiro! Que sejamos repletos de angústias e tristezas, só para que procuremos a única e verdadeira alegria de nossa alma, que sois Vós! Que percamos o que for preciso, só para ganhar a única e verdadeira riqueza, que sois Vós! Que morramos para este mundo e percamos a própria saúde, só para ganhar a única e verdadeira vida, que sois Vós!
E assim, em coro, unamo-nos a Santo Agostinho e a todos os santos de Deus, em ação de graças pelas cruzes e sofrimentos que nos visitam e nos convidam à conversão. Alegremo-nos verdadeiramente com as santas amarguras que o Senhor nos manda, porque também elas são um sinal do Seu grande amor por nós.
Ao contrário, comecemos a preocupar-nos quando, mesmo em nossa infidelidade e impenitência, tudo estiver aparentemente tranquilo e estivermos levando uma vida pacífica e confortável, sem as provações de Deus – nem as tentações do demônio [1]. É o terrível sinal de que já fomos comprados pelo mal e que, por isso, nem mesmo o diabo precisa nos tentar mais.
“Cuidado se você não sofre tentações!”, advertia o Santo Cura de Ars. “Talvez você ache que as pessoas que são mais tentadas, são indubitavelmente, os beberrões, os provocadores de escândalos, as pessoas imodestas e sem vergonha que deitam e rolam na sujeira e na miséria do pecado mortal, que se enveredam por toda espécie de maus caminhos. Não, meu caro irmão! Não são essas pessoas!“
“As pessoas mais tentadas – continua São João Maria Vianney – são aquelas que estão prontas, com a graça de Deus, a sacrificar tudo pela salvação de suas pobres almas, que renunciam a todas as coisas que a maioria das pessoas buscam ansiosamente. E não é um demônio só que as tenta, mas milhões de demônios procuram armar-lhes ciladas.”
Prefiramos, pois, as amarguras e tentações da batalha, que preparam o Céu, à paz e à tranquilidade deste mundo, pois são elas que pavimentam a estrada para o inferno.