As cartas de Tiago, Pedro, João e Judas são chamadas “cartas católicas”. Receberam esse título por causa da universalidade dos seus destinatários. Não são textos dirigidos a uma comunidade específica nem a uma pessoa em particular, mas foram endereçadas a toda a Igreja. A 3a Carta de São João, porém, é diferente. Seu destinatário se chama Gaio, líder de uma comunidade.
Mas o que nos interessa aqui, é continuar aquele processo de identificação de temas sociais nesses escritos. Há alguns temas comuns nesses escritos como por exemplo a condenação dos falsos mestres, o estímulo à vivência da integridade da fé, exortação à perseverança em tempos de perseguição, a firmeza na manutenção da Esperança até o fim dos tempos.
Carta de São Tiago
Abertura à universalidade: merece atenção o primeiro versículo da carta de São Tiago apresentando a universalidade do seu escrito, endereçada “às doze tribos espalhadas pelo mundo” (Tg 1,1). Essa saudação estimula a Igreja a cultivar um olhar sempre aberto a todos. Ela não deve se fechar numa categoria de pessoas, muito menos privilegiar um espaço sociocultural. A sensibilidade social da Igreja depende desse olhar amplo para sua missão considerando todas as suas dimensões, ambientes e sujeitos nas suas variadas situações existenciais.
Pobres e ricos: um dos mais expressivos textos sobre riqueza e pobreza no Novo Testamento, encontramos na carta de São Tiago. O apóstolo afirma a dignidade do pobre: “Que o irmão pobre se orgulhe de sua alta dignidade” (Tg 2,9). A pobreza e a riqueza são situações passageiras e não constitui aquilo que é essencial para ser pessoa e por isso ela não pode ser tratada conforme sua condição socioeconômica (cf. Tg 2,10-11). É necessário evitar o favoritismo entre as pessoas, que nos leva a tratá-las de modo diferente baseado no status socioeconômico (cf. Tg 2,1-6). O conceito de “rico” é moralmente negativo; sendo quase que sinônimo de opressor, injusto (cf. Tg 2,6-7), violento e que acumulou bens materiais em detrimento dos pobres (cf. Tg 5,1-5).
A fé gera Obras: outro tema muito significativo para Tiago é a relação entre fé e obras. A fé deve se expressar através das obras, tanto em sua dimensão pessoal quanto social. “Do mesmo modo que o corpo sem o espírito é cadáver, assim também a fé: sem as obras ela é cadáver” (cf. Tg 2,24).
A ambivalência da comunicação (cf. Tg 3,1-12). A comunicação pode produzir efeitos tanto positivos, quanto negativos. Para estar a serviço da verdade, ela precisa ser guiada pela Sabedoria que vem de Deus. A autenticidade da comunicação necessita da virtude da sabedoria para ser pautada pela verdade. A “sabedoria que vem do alto é, antes de tudo, pura, pacífica, humilde, compreensiva, cheia de misericórdia e bons frutos, sem discriminações e sem hipocrisia” (Tg 2,17).
Ética e religião. “Se alguém pensa que é religioso e não sabe controlar a língua, está enganando a si mesmo, e sua religião não vale nada. “Religião pura e sem mancha diante de Deus, nosso Pai, é esta: socorrer os órfãos e as viúvas em aflição, e manter-se livre da corrupção do mundo” (Tg 2,26-27).
Primeira e segunda carta de São Pedro
A rejeição da maldade: os fiéis são exortados a rejeitar qualquer maldade, toda mentira, formas de hipocrisia, inveja e maledicência (cf. 1Pd 2,1), “porque os olhos do Senhor estão sobre os justos e seus ouvidos estão atentos à prece deles. Mas o rosto do Senhor se volta contra os que praticam o mal” (1Pd 3,12).
A família: a vida conjugal deve ser marcada pela compreensão, cuidado, respeito e delicadeza (cf. 1Pd 3,1-7).
O impacto social da fé: o batismo marca o início de uma vida nova, de busca da vontade de Deus e libertação das paixões humanas. Por isso afirma São Pedro: “vocês passaram muito tempo vivendo conforme o estilo pagão, entregues a uma vida de dissolução, cobiça, embriaguez, comilanças, bebedeiras e idolatrias abomináveis. Agora, os outros estranham que vocês não se entreguem à mesma torrente de perdição e por isso os cobrem de insultos” (1Pd 4,3-4).
O serviço de liderança: trata-se de um ministério delicado e de caráter comunitário. Quem lidera deve cuidar do rebanho, convicto de que não é dono de ninguém; por isso não deve se impor, nem buscar o lucro sujo, mas servir com liberdade e generosamente (cf. 1Pd 5,2-3). Esse trecho destinado a animar os líderes de comunidades, presbíteros, pode também ser aplicado no campo da política do governo civil e líderes de qualquer instituições na sociedade.
A denúncia dos falsos profetas: Pedro reconhece que houve falsos profetas na história de Israel e profetizou o surgimento de tantos outros no futuro que iriam disseminar heresias perniciosas. Eles com suas doutrinas dissolutas, amor ao dinheiro, palavras enganadoras, provocariam o descrédito do caminho da verdade (cf. 2Pd 2,1-3). E ainda alerta dizendo: “nos últimos dias aparecerão pessoas que zombarão de tudo e se comportarão ao sabor de seus próprios desejos” (2Pd 3,3). Um dos temas sociais mais desafiadores para a Doutrina Social da Igreja, atualmente, que exige diálogo e profundo senso crítico, é aquele das ideologias.
Cartas de São João
Amor a Deus e aos irmãos: o amor a Deus deve ser concretizado através das obras. Um dos modos de manifestação do amor a Deus, é através da solidariedade para com os irmãos necessitados. Por isso o Apóstolo questiona: “Se alguém possui os bens deste mundo e, vendo o seu irmão em necessidade, fecha-lhe o coração, como pode o amor de Deus permanecer nele? Filhinhos, não amemos com palavras nem com a língua, mas com obras e de verdade” (1Jo 3,17-18). “Se alguém diz: «Eu amo a Deus», e, no entanto, odeia o seu irmão, esse tal é mentiroso; pois quem não ama o seu irmão, a quem vê, não poderá amar a Deus, a quem não vê… quem ama a Deus, ame também o seu irmão” (1Jo 4,20-21).
Discernimento: a Doutrina Social da Igreja é sempre convidada a discernir os sinais dos tempos. Esse também é o convite que o apóstolo João faz à toda a Igreja. “Amados, não dêem crédito a todos os que se dizem inspirados; antes, examinem os espíritos, para saber se vêm de Deus, pois no mundo já apareceram muitos falsos profetas” (1Jo 4,1). O critério que o apóstolo João oferece para esse discernimento é o confronto com a pessoa de Jesus Cristo (cf. 1Jo 4,2).
O mau líder: na terceira carta de São João temos a denúncia do mau líder. A carta é endereçada a um bom líder chamado Gaio, mas recebe advertências contra Diótrefes que tem um perfil de liderança autocrático, dominador, arrogante, mal-intencionado, incapaz de acolhida dos dons dos outros e difamador (cf. 3Jo 9-10). O fundamento do ministério da liderança comunitária não deve ser as ideias e sentimentos pessoais do líder, mas é o Amor e a Verdade.
Carta de São Judas
O apóstolo São Judas exorta os seus leitores para que não sejam vítimas do charlatãs enganadores. Para São Judas, eles “são como as ondas bravias do mar, espumando a própria indecência…. astros errantes” (Judas 13); são “murmuradores que renegam a própria sorte e agem de acordo com suas próprias paixões; sua boca profere palavras orgulhosas e bajulam as pessoas por motivos interesseiros” (Jd 16); conclui a sua carta com esta advertência: «No fim dos tempos aparecerão impostores que se comportarão conforme as suas paixões.» São esses indivíduos! Eles causam divisões, são materiais e não possuem o Espírito” (Jd 18-19).
Por: Dom Antonio de Assis Ribeiro
Bispo auxiliar de Belém (PA)
Fonte: CNBB