Se alguém nos perguntar com quem Deus se parece, como Ele é, nossa resposta deve ser uma só: Jesus Cristo, o mesmo que disse no Evangelho: “Quem vê a mim, vê o Pai”.
Tudo o que Deus fez por Adão depois de sua queda, pelos patriarcas e profetas, foi em vista da realização desse mistério; tudo o que acontece no tempo depois desse acontecimento remete de volta a ele, seja para o bem, seja para o mal. A Encarnação é o eixo em torno do qual gira toda a realidade.
É por isso que a civilização cristã sempre organizou os seus calendários com os termos a.C., “antes de Cristo”, e d.C., “depois de Cristo”, contando os anos a partir da entrada de Cristo neste mundo, a fim de libertar-nos da escravidão do pecado e da morte. (E é por isso que os cristãos devem resistir, o máximo que puderem, ao uso das abreviaturas A.E.C., “antes da Era Cronológica”, e E.C., “Era Cronológica”, que não passam de terminologia politicamente correta e sem sentido.)
“E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, e vimos sua glória, a glória que o Filho único recebe do seu Pai, cheio de graça e de verdade” (Jo 1, 14): com essas majestosas palavras a proclamação do Prólogo do Evangelho de São João atingia o seu cume ao fim de todas as Missas, desde a Idade Média, a partir do Missal de São Pio V em 1570, até a sua infeliz abolição, em 1965. E no entanto, não importa o quanto os homens do mundo (e até os de igreja) resistam à desconfortável proclamação deste incompreensível mistério — que faz a razão humana orgulhosa se prostrar e os nossos joelhos se dobrarem em adoração —, o mistério se afirma cada vez mais como a fonte irreprimível da fé cristã, assim como temos visto o último Evangelho retornar a nossas igrejas com a difusão crescente da Missa latina tradicional.
Na Encarnação, assim como na Santa Eucaristia, que é o seu eco incessante através dos séculos, o Deus invisível tornou-se visível a nós, o eterno entrou no tempo, o inacessível fez-se próximo, o infinito assumiu limites — sem deixar de ser infinito, inacessível, eterno e invisível. Deus, que é puro espírito, tem em Jesus Cristo um coração humano, um rosto humano. O Filho que nasceu do Pai antes de todos os séculos, nasceu no tempo da Virgem Maria.
Dessa forma, Deus responde ao desejo que o ser humano tem de ver e ouvir o próprio amigo, a pessoa amada. Deus sabia que, para o homem decaído, Ele encontrava-se distante demais, inalcançável demais — ainda que, na realidade, Ele esteja mais próximos de nós do que nós mesmos, mais próximo que a nossa respiração e que o pulsar de nosso coração. Se alguém nos perguntar com quem Deus se parece, como Ele é, nossa resposta deve ser uma só: Jesus Cristo, que disse a seu apóstolo Felipe: “Quem vê a mim, vê o Pai” (Jo 14, 9). Cristo é o rosto humano de Deus.
Essa é, pois, a razão básica (há outras) pela qual todos os cristãos que guardam a fé que receberam dos Apóstolos — não apenas os cristãos orientais ou bizantinos, mas também os latinos e ocidentais — fazem uso das imagens de Cristo, de sua Mãe e dos santos em suas liturgias. O Verbo que se fez carne em Jesus deu-nos uma realidade física a retratar, e por meio dessa representação nós expressamos nossa adoração ou veneração ao original, assim como, quando beijamos uma foto de alguém, não estamos a demonstrar afeto por um pedaço de papel, senão pela pessoa que nele está fotografada. Os cristãos também fazem uma distinção clara entre adoração, que é devida somente a Deus, e veneração, que é justamente devida a todos os amigos de Deus, os santos anjos e os santos homens e mulheres. Se nós nos recusamos a adorar Cristo retratado em um ícone, nós pecamos contra Ele e, se nos recusamos a venerar-lhe os amigos, ofendemos a Ele também.
São tão essenciais ao cristianismo as imagens e os ícones, encontrados ao longo de toda a história da Igreja, desde tempos os mais antigos, que negá-los equivale a negar a Encarnação e, assim, a própria essência do cristianismo. É indiscutível que estaríamos lidando, então, com uma forma de docetismo. O docetismo é a heresia segundo a qual a humanidade de Cristo teria sido apenas uma aparência, e não uma realidade; Deus não teria se encarnado de fato (isto é, não teria se feito homem), mas tão-somente projetado a si mesmo como um holograma, que “fez” e “disse” várias coisas para nossa instrução.
Mas essa não é a fé ortodoxa. Os verdadeiros cristãos adoram o Deus feito carne, o Verbo encarnado; eles adoram sua presença corporal na Santíssima Eucaristia, na qual Ele permanece entre nós, glorioso, até o fim dos tempos, sob o véu do pão e do vinho; eles adoram sua Sagrada Face, seu Sagrado Coração, suas Santas Chagas, o templo perfeito de Deus que é a sua humanidade santíssima (cf. Jo 2, 21), através das imagens que o representam. Precisamente porque a imagem é uma imagem — isto é, uma representação de algo mais, que existe de forma real e corpórea e que, nessa forma, exige nossa adoração (cf. Mt 2, 11; 8, 2; 9, 18; 14, 33; 15, 25; 20, 20; 28, 17 etc., e especialmente Jo 20, 28) —, nós não estamos jamais em risco de pecar por idolatria; como diz uma sentença célebre de São Basílio Magno: “A honra prestada a uma imagem remonta a seu protótipo (isto é, ao modelo original)” (cf. Catecismo da Igreja Católica, § 2132). A relutância em se curvar diante de um retrato de Cristo (contanto, naturalmente, que possamos reconhecê-lo) seria como dizer que não acreditamos de fato em sua divindade ou em sua verdadeira humanidade. De modo similar, a relutância em venerar as imagens da toda santa Mãe de Deus e sempre Virgem Maria, ou dos anjos e dos santos, seria um desrespeito não só a eles, mas também a seu Deus e Senhor.
Justamente porque a fé católica é “encarnada”, as verdades de nosso credo devem estar em profunda conexão com nossas vidas diárias. E esse entrelaçamento do transcendente e do terrestre é ajudado, em grande medida, por lembretes concretos e tangíveis de Deus em todos os lugares, em nossos lares, nas escolas, nas esquinas de nossas ruas e nos mais diversos espaços públicos. Todos esses símbolos — pinturas, esculturas, santuários ou quaisquer outras coisas — têm o propósito de tornar as realidades divinas próximas de nós, a fim de termos sempre em mente nossa identidade e nosso propósito nesta vida. A multidão e variedade desses lembretes são como “alarmes”, feitos para nos acordar de nosso sono terreno, e o fato de eles serem acessíveis a nossos sentidos é o que garante que a mensagem não passará despercebida. Quando consideramos o quanto a cegueira de nossa mente, a fraqueza de nossa vontade e as preocupações da vida tornam difícil para nós permanecer por muito tempo nas coisas espirituais e celestes, é então que vemos o quanto é importante cercar-nos de ícones e imagens, de placas de sinalização orientando-nos na estrada e levando-nos à nossa eterna felicidade.
Tais reflexões deixam-nos ideias não muito animadoras a respeito do estado de alma dos iconoclastas ao longo da história da Igreja — sejam os iconoclastas originais do Império Bizantino, sejam os protestantes quebradores de imagens e relíquias no tumultuado período da Reforma, seja a “Gestapo” pós-conciliar que confiscou e destruiu livros, altares, paramentos, vasos sagrados, decorações e quaisquer outros itens católicos tradicionais nos quais eles pudessem pôr as mãos. Em uma época tão cheia de iconoclasmo como tem sido a nossa, todo católico deveria nadar contra a corrente, promovendo a criação, a restauração e o culto das imagens sacras com o maior zelo possível, sob o risco de vermos escondido ou silenciado o mistério fundamental de nossa fé: a Encarnação de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Fonte:
Autor: Peter Kwasniewski