Na casa da Parábola

As parábolas contadas por Jesus partem de situações cotidianas vividas pelas pessoas, assim como de uma apurada observação da natureza, onde comparecem animais e plantas. As chamadas parábolas da misericórdia, do capítulo quinze do Evangelho de São Lucas, referem-se a uma ovelha perdida, uma moeda perdida e um filho perdido! (Lc 15,1-32). Mais ainda, falam da alegria do reencontro! O quarto domingo da Quaresma nos faz participar da história do Pai Misericordioso e o filho pródigo, gastador e perdido! Permitamo-nos entrar na casa da família descrita por Jesus na parábola. 

O dia a dia da família, que é o pano de fundo da parábola, parece muito normal, ainda que a figura da mãe não venha à tona. Podemos imaginar uma família de recursos, com um pai cujos rebanhos e plantações eram cuidadas pela família e empregados, condições para garantir boa herança aos dois filhos. Pode ser comparada com muitas das nossas famílias, mesmo quando não nos parece ter disponibilidade para heranças significativas. Pais e mães que trabalham e buscam dar o melhor possível aos filhos, mãos e corações que se empenham na labuta diária, uma história edificada com muito esforço, alternando convivência, atividades laborais, compromissos sociais e religiosos. É bom reconhecer a normalidade de nossas famílias, mesmo estando prontos a enfrentar os possíveis desafios. 

E a família que olhamos com uma visão bem humana, sabendo que nos remete à grande família de Deus Pai Misericordioso, encontra-se agora diante do desafio imprevisto. Um jovem rebelde, disposto a aventuras, desejoso de ir ao encontro do desconhecido. Quem de nós, em alguma etapa da vida, não sonhou com a independência, preferindo correr pelo mundo no lugar do aconchego da casa paterna? E quantos são os jovens que, sem grandes conflitos com seus familiares, querem morar separados dos pais, percorrer suas próprias carreiras estudantis ou de início de profissão! Sem julgá-los, entremos em seu coração e identifiquemos seus sonhos e projetos! 

Entretanto, o filho mais novo daquela família esbanjou tudo o que o pai pôs à sua disposição. Deixou a casa para tornar as ruas e o mundo a sua própria casa. O amor parecia limitar sua liberdade! Incrivelmente, o vício e a libertinagem atraem e se apresentam como um bem! Muitas vezes cantamos esta aventura: “Eu pensei que podia viver por mim mesmo, eu pensei que as coisas do mundo não iriam me derrubar. O orgulho tomou conta do meu ser e o pecado devastou o meu viver. Fui embora, disse: ó Pai, dá-me o que é meu, dá-me a parte que me cabe da herança. Fui pro mundo, gastei tudo, me restou só o pecado” (Música “Tudo é do Pai”, composta por Frederico Cruz). Incapacidade pera ver com os outros as decisões a serem tomadas, precipitação, sonhos de grandeza, perda dos valores morais, tudo num mesmo pacote de passos enganosos, dados porque a própria família e os afetos paternos pareciam amarras, e estas podem soar insuportáveis. Quem já passou por isso entende bem e sabe que a narrativa se repete e deixa de ser apenas uma historinha! É que Jesus entende de humanidade mais do que todos nós juntos! 

No fundo do poço, nasce um sentimento confuso de saudade e de estômago vazio. O lugar de trabalho descrito na parábola era o mais odioso num ambiente judaico, cuidar de porcos! Jesus carrega as tintas, para mostrar os sentimentos humanos existentes em quem tocou no ponto mais baixo que pode existir. Mais do que a sede e a fome, a dor maior é a do pecado e suas consequências! O jovem sonhou com as curvas das estradas para a casa paterna, enquanto o próprio pai misericordioso deve ter incansavelmente olhado para as mesmas curvas. Chegou a hora do arrependimento, reconhecendo erros cometidos que levaram a quebrar a cabeça! E nele nos encontramos nas centenas de vezes em que aprendemos de novo o valor da casa paterna, daquele Pai que não volta atrás em seu infinito amor. 

Para retornar à casa do pai, o jovem aventureiro teve que ensaiar mil vezes o discurso! “Quantos empregados do meu pai têm pão com fartura, e eu aqui, morrendo de fome. Vou voltar para meu pai e dizer-lhe: ‘Pai, pequei contra Deus e contra ti; já não mereço ser chamado teu filho. Trata-me como a um dos teus empregados’” (Lc 15,17-19). A chegada é carregada de emoção, e se pensamos que o verdadeiro pai é o Pai Deus misericordioso, encanta saber que Deus se emociona com nossa volta e o perdão concedido, no abraço e nos beijos da reconciliação! Festa, roupa nova, anel, sandália aos pés, porque o filho perdido foi encontrado, quem estava morto começou a viver! Não é necessário dizer muitas coisas, apenas viver! 

Implicante é a situação do filho mais velho, cujo erro é revelado justamente na hora que deveria ser da misericórdia. Mais grave é o julgamento do que todos os caminhos errados e escandalosos do outro! A casa, a criação, as plantações, tudo é do Pai e de seus filhos. Na casa, podemos desfrutar de todos os bens! Cabe a nós, muitas vezes filhos mais velhos, deixar de ficar emburrados e entrar na dança da festa da misericórdia. E a Igreja é esta casa, aberta de modo especial nesta Quaresma, para o abraço da reconciliação, no Sacramento da Penitência, para nos ajustarmos com o Senhor, e também no dia a dia, perdoando-nos mutuamente. A festa é nossa e podemos cantar e rezar: “Tudo é do Pai, toda honra e toda glória, é dele a vitória alcançada em minha vida. Tudo é do Pai, se sou fraco e pecador, bem mais forte é o meu Senhor, que me cura por amor. Hoje sei que nada é meu, tudo é do Pai, toda honra e toda glória, é dele a vitória alcançada em minha vida!” (Ibid.). 


Autor: Dom Alberto Taveira Corrêa – Arcebispo de Belém do Pará (PA)
Fonte: CNBB