Quando Jesus advertiu que, para segui-Lo, era preciso renunciar-se a si mesmo e tomar a sua cruz [1], talvez os discípulos não pensassem que Ele verdadeiramente tomaria uma “cruz”, no sentido literal. De fato, após subir a Jerusalém, o Cristo “foi crucificado sob Pôncio Pilatos; padeceu e foi sepultado”, como rezamos no Credo Niceno-Constantinopolitano. O próprio Deus foi estendido sobre um madeiro: “tomou a sua cruz”. E pediu que o imitássemos.
É verdade, nem todos os cristãos são chamados a imitar Jesus derramando o seu sangue por Ele. Mas todos, sem exceção, devem carregar a sua cruz, dia após dia, a fim de dizer, com São Paulo: “Estou pregado à cruz de Cristo” [2]. Era com esta atitude espiritual que São Josemaría Escrivá recomendava que os cristãos olhassem para os crucifixos despojados de Cristo: “Quando vires uma pobre Cruz de pau, só, desprezível e sem valor… e sem Crucificado, não esqueças que essa Cruz é a tua Cruz: a de cada dia, a escondida, sem brilho e sem consolação…, que está à espera do Crucificado que lhe falta. E esse Crucificado tens de ser tu” [3].
No entanto, muitas pessoas parecem agir com temor da cruz, quando não com desprezo e desdém. Dizem, orgulhosamente, que o madeiro ao qual Jesus foi pregado não deve ser ostentado por ninguém e, contrapondo-lhe o milagre da ressurreição, rejeitam a exaltação da Santa Cruz como culto da dor e do masoquismo.
Ora, é verdade que a crucificação era uma das penas mais infames que se aplicava aos homens nos tempos do Império Romano. Porém, “na Paixão [de Cristo], a Cruz deixou de ser símbolo de castigo para se converter em sinal de vitória” [4]. Por sua obediência ao Pai, Jesus transformou aquilo que era maldição em salvação para todos os homens. “Sua sanctissima passione in ligno crucis nobis justificationem meruit – Pela sua santíssima paixão no madeiro da cruz, Ele mereceu-nos a justificação” [5], ensina o Concílio de Trento. E, do mesmo modo, o Vaticano II: “[Ele] mereceu-nos a vida com a livre efusão do seu sangue; n’Ele nos reconciliou Deus consigo e uns com os outros e nos arrancou da escravidão do demônio e do pecado” [6].
Por esse motivo, a Igreja saúda a cruz como “única esperança”. No dizer de Santa Rosa de Lima, “ fora da cruz, não há outra escada por onde se suba ao céu“.
Mais do que apontar o erro evidente desses “que se portam como inimigos da cruz de Cristo” [7], cabe perguntar qual atitude espiritual está por trás disso: o que faz as pessoas agirem com tanta indiferença, quando não com ódio, em relação à Cruz?
Essas pessoas, que até vão à igreja e começam uma vida de oração, ou não compreenderam o significado da redenção – e isto uma boa catequese e um ato de fé podem consertar – ou estão afetadas por uma “teologia da prosperidade”, que, prometendo paraíso neste mundo, as aliena e faz que coloquem o coração nas coisas materiais e passageiras, ao invés das espirituais e eternas. Diante dos sofrimentos que Deus permite por que passem, fogem invariavelmente, até mesmo na oração, esquecendo-se de fazer a súplica do Pai-Nosso: “fiat voluntas Tua – seja feita a Vossa vontade”.
Não devemos pedir a Deus que nos livre das cruzes, mas que nos ajude a suportá-las. Neste mundo, não é possível que sejamos privados de sofrer simplesmente porque não podemos ser dispensados de amar. A vontade de Deus é que sejamos santos, que O amemos, mas, para que isso aconteça, precisamos primeiro crucificar-nos para o mundo [8], purificar o nosso amor: “Cada dia um pouco mais – tal como ao esculpir na pedra ou na madeira –, é preciso ir limando asperezas, tirando defeitos da nossa vida pessoal, com espírito de penitência, com pequenas mortificações (…). Depois, Jesus vai completando o que falta” [9].
A verdade da Cruz é esta: o mesmo caminho que Deus fez para unir o Céu à Terra [10] é o que nós devemos percorrer para nos assemelharmos a Ele. Dois mil anos depois, o Calvário continua sendo o ponto de encontro dos que amam: de Jesus e de Seus santos.