Na Exortação Apostólica, Pós-sinodal, Christus Vivit, o Papa Francisco provocou a Igreja a promover uma profunda renovação da Pastoral Juvenil. Ela não deve estar fechada na dimensão religiosa, mas ser aberta para experiências socioeducativas também explorando a dimensão lúdica dos jovens. Os jovens precisam de espaços de convivência, onde possam se encontrar como amigos com liberdade, confiança e segurança.
É necessário que a pastoral juvenil, na paróquia ou em outros ambientes, seja capaz de ir ao encontro da psicologia juvenil. Adolescentes e jovens têm desejos, sonhos, interesses, energias e necessidades próprias da idade: gostam de esportes, da música, dança, diversão, aventuras, novidades e desafios. Tudo isso que brota naturalmente do físico, do coração e da mente dos adolescentes e jovens pode constituir um significativo gancho para a promoção da educação e da evangelização (cf. Christus Vvit, N. 218, 226).
No atual contexto sociocultural, profundamente tentado pela idolatria das telas digitais que aprisionam milhões de adolescentes e jovens no anonimato virtual, é uma urgência que a pastoral catequética e a pastoral juvenil promovam atividades educativo-pastorais caracterizadas pela interação socioafetiva e a experiência da solidariedade.
A importância da dimensão lúdica
Há quem pense que há um abismo entre a dimensão religiosa e aquela lúdica. Todavia, para o respeito à justa e saudável compreensão do ser humano, nenhuma dimensão está separada das outras; elas têm a mesma raiz e por isso estão vinculadas, são complementares e interdependentes.
O princípio da “totalidade unificada de corpo e alma” se expressa através da unidade de todas as dimensões humanas. A alma abraça a totalidade da realidade física e, esta por sua vez, se dinamiza na totalidade das dimensões humanas, ou seja, através da afetividade, da sexualidade, da sociabilidade, da vontade, da liberdade, da consciência, da espiritualidade… Enfim, também através da ludicidade.
A dimensão lúdica é aquela que nos faz desejar o prazer, lazer, diversão, festa! Todos esses fenômenos humanos, para quem tem fé, é uma seta que aponta para o paraíso, a plenitude da nossa realização, bem-estar perfeito, felicidade total. Nessa perspectiva, o lúdico pode ser uma pista estratégica e pedagógica para a formação humana, cívica e religiosa de adolescentes e jovens.
Para que a formação humana e a evangelização sejam autênticas e profundas, é imprescindível o cultivo de uma visão holística do ser humano. A ausência da visão da totalidade das dimensões humanas gera um enorme prejuízo para a realização da pessoa oportunizando um grave reducionismo que, por sua vez, prescinde da diversidade de seus recursos e necessidades naturais.
A dimensão religiosa cristã tem uma relação com a dimensão lúdica; na plenitude dos tempos messiânicos Deus festivamente sacia seu povo (cf. Is 25,6); diversas vezes para falar do Paraíso Jesus o comparou a um grande e abundante banquete (cf. Lc 14,14-26); a celebração da misericórdia se conclui com uma grande festa (cf. Lc 15,23); o Reino de Deus é como um banquetes ao qual a humanidade é convidada a tomar parte (cf. Mt 22,4-10). O Apóstolo São Paulo também relacionou a dimensão lúdica à Salvação (cf. 1Cor 9,24).
A beleza do oratório festivo
A dimensão lúdica é profundamente viva e dinâmica nos jovens e por ela são induzidos a aceitarem grandes desafios e a fazerem muitas aventuras. Em geral, adolescentes e jovens que nada desejam na dimensão lúdica é porque estão doentes. Jovens e adolescentes saudáveis gostam ardentemente de esportes, música, dança, aventuras, festa, diversão, entretenimento.
Dizia São João Bosco (Turim, Itália 1815-1888) que é preciso gostar do que os jovens gostam para que, aos poucos, passem a desejar o que nós lhes propomos. O santo educador, sem exageros pedagógicos, nos ensina a importância da experiência da empatia no processo de educação e evangelização dos jovens. São Francisco de Sales (Saboia, França 1567-1622), pastor e doutor da Igreja, refletiu sobre a importância da dimensão lúdica aprofundando o sentido dos jogos e da diversão para quem trilha o caminho da santidade. São Felipe Neri (Forença, Italia1515-1595) foi quem pela primeira vez viu no entretenimento lúdico um canal para a formação cristã e estímulo à fidelização de crianças, adolescentes e jovens nas atividades paroquiais. A essa experiência de entretenimento dominical ele chamou de “Oratório”, pois para ele a diversão sadia era vista como um prolongamento da oração. Merece aplausos!
Essa experiência pedagógica de pleno sucesso pastoral, ganhou seguidores, espalhou-se pela Itália e atingiu o mundo. Em meados do século XIX, precisamente a partir de 1841, Dom Bosco, sacerdote diocesano recém-ordenado, vai usar exatamente a estratégia do Oratório para entrar em diálogo com centenas de adolescentes e jovens que perambulavam pelas ruas de Turim. A experiência foi de grande sucesso e gerou a fundação da Congregação dos Salesianos de Dom Bosco.
A partir da experiência de Dom Bosco, o Oratório ganhou novas fronteiras indo além das paredes dos ambientes paroquiais, realizando-se nas praças e em outros ambientes públicos. Até mesmo no Cemitério levou os meninos para brincar!
Através do lazer vinha a proximidade, nascia a confiança, brotava a amizade, lançava-se os rudimentos da evangelização, promovia-se a formação humana, e percebia-se transformação dos Oratorianos. Tudo acontecia através de um clima de acolhida universal, sem exigências, de envolvimento e participação de todos, favorecendo a experiência da amizade. Considerando a experiência de São Felipe Nery, Dom Bosco afirmou que o oratório é festivo, seja por realizar-se em dias festivos (feriados, dias sem trabalho) como também pela beleza do clima festivo: ambiente animado com músicas, alegria, amizade, respeito, bem-querer.
A experiência do acampamento
Nos últimos anos no Brasil vem crescendo em ambientes neopentecostais e católicos uma grande atenção para com a dimensão lúdica como estratégia de evangelização. Há uma enorme lista de experiências de atividades relacionadas à dimensão lúdica, tais como: festas, festivais, concursos, gincanas, arraiais, torneios, campeonatos, manhãs e tarde de lazer, trilhas, corridas, passeios, rolês (variados), discoteca e bar gospel, cristoteca, colônia de férias etc. Nessa lista de atividades lúdicas entra também a promoção dos acampamentos.
Seja por carisma como também estimulado pelo espírito infanto-juvenil, já organizei e participei de diversos acampamentos e posso testemunhar como essa atividade é exigente, mas também contagiosa e frutuosa. Essa paixão pelo acampamento, por parte do público infanto-juvenil, tem muitos efeitos positivos: oportuniza a saída das estruturas do cotidiano, estimula a aventura, promove a adaptabilidade, favorece a criatividade, oportuniza a experiência da diversão, educa para a experiência da interação com os outros e a solidariedade etc.
Não há um padrão de acampamento. Os estilos e ambientes são variados e, em geral, dependem do público participante, dos objetivos desejados e da mentalidade (ou carisma) dos seus organizadores. Todavia, há sempre algumas características constantes, como por exemplo, um programa variado de atividades campestres (em sítios, fazendas, parques), atenção para com a dimensão educativa e evangelizadora, envolvimento e participação, clima de descontração, equipe organizadora madura com forte sensibilidade pedagógica e educativa (assistência, senso de responsabilidade, capacidade de escuta e orientação, equilíbrio afetivo e sexual, capacidade de intervenção, visão preventiva…), regulamento claro, conteúdos ou mensagens a serem passadas.
Para garantir a segurança e a sustentabilidade de um acampamento envolvendo dezenas ou centenas de participantes (já participei de um com cerca de 1700 jovens), por diversos dias, é necessária uma séria estrutura organizativa com equipes de trabalho bem definidas. Por suas exigências técnicas, educativas e disciplinares, não se pode tolerar a improvisação de um evento como esse. Isso significa que, muitas vezes, o sucesso do acampamento está vinculado à seriedade do processo de preparação, clareza e firmeza dos coordenadores.