De onde vem a tentação? Qual seu objetivo?
Jesus foi tentado peço demônio; e Ele não tinha o pecado original; então, mesmo Ele e a Virgem Maria podiam ser tentados como Adão e Eva também foram, antes do pecado original. Quem foi criado livre, à imagem e semelhança de Deus, pode ser tentado, não só pelo demônio – o principal tentador – mas também pelo mau uso da liberdade e demais faculdades da alma, como aconteceu com os anjos no céu. Eles não foram tentados por alguém, mas caíram pelo uso mal da liberdade, não querendo servir a Deus, querendo ser “como Deus”. Foi o pecado de soberba, nascido dentro deles mesmos.
Sabemos que o pecado original desorganizou a nossa natureza e ela ficou sujeita à concupiscência; isto é, a atração para o mal, sobretudo para a soberba e orgulho, ganância e ambição, luxúria e adultério. Nossas faculdades inferiores já não obedecem docilmente às inferiores; e por isso há um combate entre o bem e o mal em nossos membros. Por isso, ao invés do homem usar as criaturas para chegar a Deus, ele muitas vezes se torna escravo delas. Elas exercem um fascínio sobre nós, e é ai que a tentação nos desvia de Deus. Nenhum de nós, enquanto estamos nesta vida, somos livres da tentação, por termos nascidos com inclinação ao pecado.
Por que o demônio nos tenta? Porque ele quer afastar-nos da amizade de Deus. Como ele perdeu esta amizade e experimenta definitivamente a frustração, então, tenta aliviar sua dor fazendo-nos também rejeitar a Deus e participar da sua danação. Quem é revoltado como ele, não pode ver os outros em paz e feliz, porque se sente mal com isso.
O livro da Sabedoria explica algo muito importante: “Ora, Deus criou o homem para a imortalidade, e o fez à imagem de sua própria natureza. Foi por inveja do demônio que a morte entrou no mundo, e os que pertencem ao demônio prová-la-ão” (Sab 2,23-24). “Deus não é o autor da morte, a perdição dos vivos não lhe dá alegria alguma” (Sab 1,13).
O livro do Apocalipse revela uma triste realidade; “houve uma batalha no céu, Miguel e seus anjos tiveram de combater o Dragão, Satanás, o sedutor do mundo inteiro. Foi precipitado na terra, e com ele os seus anjos” (Ap 12,9). São Pedro chama o demônio de adversário a contra quem devemos estar atentos: “Sede sóbrios e vigiai. Vosso adversário, o demônio, anda ao redor de vós como leão que ruge, buscando a quem possa devorar. Resisti-lhe fortes na fé” (1Pe 5,8).
O demônio é um revoltado contra Deus e contra o Seu Reino, por isso Jesus veio vencê-lo e destruir o seu reino, com Sua morte na Cruz. A morte que o demônio faz entrar no mundo, pelo pecado, é a morte espiritual, da qual a morte física é um sinal. São Paulo explica tudo quando diz que “o salário do pecado é a morte” (Rom 6,23). Há duas mortes, diz São Tomás, uma é quando o corpo se separa da alma, mas a pior é a segunda, quando a alma se separa de Deus pelo pecado mortal.
São Leão Magno (†460), explica bem a ação do Mal: “O antigo inimigo, “disfarçando-se em anjo de luz” (2 Cor 11,14) não cessa de armar por toda parte as ciladas da mentira e de procurar de todo modo corromper a fé dos crentes. Sabe a quem incutir o ardor da cobiça, a quem oferecer os atrativos da gula, a quem inflamar com a luxúria, em quem infiltrar o veneno da inveja. Sabe a quem perturbar com a tristeza, a quem iludir com a alegria, a quem oprimir com o temor, a quem seduzir pela vaidade. Observa os costumes de todos, investiga as preocupações, perscruta os sentimentos; e procura meios de fazer mal onde vê alguém ocupar-se em algo com interesse. Entre os que acorrentou a si, dispõe de muitos peritos em suas artes, e serve-se de sua habilidade e sua língua para enganar os outros”.
São João disse que “o demônio peca desde o princípio. Eis porque o Filho de Deus se manifestou: para destruir as obras do demônio” (1 João 3,8). Foi a luta sangrenta do bom Pastor contra o lobo, para defender as ovelhas. O Pastor foi ferido mortalmente, mas ressuscitou, e o lobo foi vencido. São Agostinho falava do demônio como um cão acorrentado e na coleira, e que só morte quem lhe chega perto.
O Tentador atua, sobretudo, pela mentira. Jesus nos revelou sua farsa. “Ele era homicida desde o princípio e não permaneceu na verdade, porque a verdade não está nele. Quando diz a mentira fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira” (João 8,44-45). Toda tentação é uma sedução pela mentira; como foi com Eva no Paraíso, e também conosco.
Na tentação há algo de bom, senão Deus não a permitiria. Sabemos que o ferro é provado pelo fogo e os justos pela tentação. Nossa maturidade espiritual se forja nas tentações, como o atleta se fortalece nos treinos. Santo Agostinho disse que “toda tentação é uma forma de inquisição. Por meio dela o homem se conhece a si mesmo. Ninguém conhece a si mesmo se não é tentado; nem pode ser coroado, se não vence; nem vencer, se não luta; nem lutar, se lhe faltam inimigos”. “Não fujas das mãos do Artífice e não temas: Deus permite as tentações, não para te arruinar, mas para fazer-te mais forte”.
Orígenes de Alexandria (†284), Padre da Igreja, dizia: “Deus não quer impor o bem, ele quer seres livres… Para alguma coisa a tentação serve. Todos, com exceção de Deus, ignoram o que nossa alma recebeu de Deus, até nós mesmos. Mas a tentação o manifesta, para nos ensinar a conhecer-nos e, com isso, descobrir-nos nossa miséria e nos obrigar a dar graças pelos bens que a tentação nos manifestou”.
Nas tentações verificamos o quanto progredimos na vida espiritual; se revelam as nossas virtudes, e por elas temos méritos diante de Deus.
Não cair em tentação envolve uma decisão do coração. “Onde está o teu tesouro, aí estará também teu coração… Ninguém pode servir a dois senhores” (Mt 6,21.24). “Se vivemos pelo Espírito, pelo Espírito pautemos também nossa conduta” (Gl 5,25).
Autor: Prof. Felipe Neri
Fonte: Cleofas