Todos nós, seres humanos, fomos criados de tal modo, que podemos livremente eleger um dentre os possíveis caminhos que temos adiante, inclusive com a terrível capacidade de negarmos o nosso próprio Criador.
Realmente, é impressionante a liberdade humana! Deus nos cria com essa capacidade de eleição, preferindo o risco de que O neguemos, a querer obrigar-nos a amá-Lo por coação. Deseja, assim, que o amemos livremente, como filhos, e não como escravos.
Observando nossa história pessoal, não é difícil perceber que a cada escolha que fazemos nos tornamos responsáveis por suas implicações. Quando preferimos o pecado à vontade de Deus, inevitavelmente experimentamos seus amargos efeitos, e é justo que seja assim. Mas o que dizer quando as consequências do pecado de uma outra pessoa passa a ser, de algum modo, atribuído também a nós? Por que temos de sofrer as consequências do pecado de Adão e Eva, nossos primeiros pais?
Com efeito, afirma São Paulo: “Como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim a morte passou a todo o gênero humano, porque todos pecaram” (Rm 5,12). Nossos primeiros pais pecaram gravemente. Abusando de sua liberdade, desobedeceram aos desígnios originais do Criador, não guardaram Seu mandamento. Nisso consistiu o primeiro pecado do homem (cf. Rm 5,19), através do qual perderam o estado de santidade. O pecado entra na história, portanto, não procedendo de Deus, mas do mal uso da liberdade do homem.
Embora esse primeiro pecado tenha sido um ato pessoal de Adão e Eva, existe uma tal solidariedade entre os homens, de modo que este pecado afeta a todos nós, como afirma o Catecismo da Igreja Católica (cf. n. 404):
“Todo o gênero humano é, em Adão, «sicut unum corpus unius hominis – como um só corpo dum único homem». Em virtude desta «unidade do gênero humano», todos os homens estão implicados no pecado de Adão, do mesmo modo que todos estão implicados na justificação de Cristo. Todavia, a transmissão do pecado original é um mistério que nós não podemos compreender plenamente. Mas sabemos, pela Revelação, que Adão tinha recebido a santidade e a justiça originais, não só para si, mas para toda a natureza humana; consentindo na tentação, Adão e Eva cometeram um pecado pessoal, mas esse pecado afeta a natureza humana que eles vão transmitir num estado decaído”.
Para distinguir a relação que se dá entre Adão e Eva, e cada um de nós com o pecado original, os teólogos utilizam duas expressões bastante elucidativas: “pecado original originante” (para referir-se ao pecado daqueles, um pecado cometido diretamente pelos nossos primeiros pais), e “pecado original originado” (para referir-se ao pecado original com o qual todos nascemos, um pecado próprio de cada um, mas não cometido pessoalmente por nós, senão contraído em virtude de nossa natureza). O “pecado original originado” – o pecado original em nós – é chamado de “pecado” de maneira análoga. Trata-se do estado de perda com o qual todos nós nascemos daquela santidade original com a qual Deus havia criado o homem. Este estado não se transmite por imitação dos maus exemplos dos nossos antecessores, mas por propagação, afetando diretamente a nossa natureza. Já nascemos assim.
Agora, se por um lado em Adão todos pecaram, continua o Apóstolo, “pela obediência de um só todos se tornarão justos”. Em Cristo, o novo Adão, todos temos acesso à santidade. Por meio do sacramento do Batismo, a redenção alcançada pelo Senhor Jesus Cristo com sua Cruz e Ressurreição é aplicada a cada um de nós, e nos tornamos livres do pecado original, orientados novamente para Deus, embora as consequências deste pecado – não o pecado original – persistirão em nós, e exigirão até o fim de nossa vida um intenso combate espiritual para vivermos de forma coerente com esta nova vida divina que nos vem por este sacramento.