Onde Maria reina como Rainha, o Filho dela reina como Rei, pois os dois são inseparáveis no plano da salvação. Onde ela não reina, onde o reino dela é ignorado ou negado, o reino dele é obstruído, pois a própria identidade dele é obscurecida e negada.
Vale a pena refletir por que ela é (e é chamada de) nossa Rainha. Sempre me sinto muito mais seguro quando confio numa autoridade digna. Por isso, neste caso, fico feliz em me apoiar no bem-aventurado Columba Marmion, que escreve o seguinte em suas meditações sobre o Rosário:
Qual é o propósito de todos os mistérios de Cristo? Ser modelo para nossa vida sobrenatural, o meio de nossa santificação, a fonte de toda a nossa santidade. Criar uma sociedade eterna e gloriosa de irmãos que serão semelhantes a Ele. Por essa razão, Cristo, o novo Adão, associou-se a Maria, a nova Eva. Mas ela é muito mais do que Eva, é a “Mãe de todos os viventes”, a Mãe daqueles que vivem na graça de seu Filho. E como aqui na Terra Maria foi associada de forma tão imediata a todos os mistérios da nossa salvação, em sua Assunção ao Céu Jesus a coroou não apenas com glória, mas também com poder; Ele pôs sua Mãe à sua direita e lhe deu o poder (em virtude de seu título singular de Mãe de Deus) para distribuir os tesouros da vida eterna. Portanto, com plena confiança, rezemos com a Igreja: “Mostra que és Mãe: Mãe de Jesus, por tua ascendência sobre Ele; mãe nossa, por tua misericórdia conosco; por tua mediação, receba Cristo nossas preces, esse Cristo que, nascendo de ti para trazer-nos a vida, quis ser teu filho”.
Dom Marmion observa que Jesus honra sua Mãe não apenas com glória, como celebramos na festa da Assunção, mas também com poder, como celebramos na festa de seu verdadeiro governo, sub et cum Christo, sobre os anjos e os homens e — alguém poderia atrever-se a dizer — sobre toda a ordem criada.
Não precisamos ter muita experiência com livros devocionais para lamentar o fato de que, particularmente nos últimos 150 anos, surgiu entre os católicos uma tendência a sentimentalizar o culto à Virgem Maria, segundo formas que tornam bastante difícil imaginá-la coroada de poder. Apesar disso, ela é nossa Rainha, nossa imperatriz, uma guerreira vitoriosa que esmagou a cabeça da serpente. Onde Maria reina como Rainha, o Filho dela reina como Rei, pois eles são inseparáveis no plano da salvação; onde ela não reina, onde o reino dela é ignorado ou negado, o reino dele é obstruído, pois a própria identidade dele é obscurecida e negada.
Todos os que enxergam fraqueza e mornidão em Maria e em sua autoridade sobre as criaturas (recebida por ela de Deus) enxergam fraqueza em seu Filho e na autoridade propriamente divina que Ele tem sobre as criaturas. Quando ela é transformada em donzela tímida, fraca e medrosa, seu Filho se torna um homem choroso e levemente afeminado, uma desonra feita a Ele por muitos santinhos e pinturas religiosas.
O fato de Nossa Senhora ter permanecido aos pés da cruz, quando quase todos os outros fugiram, e de ter oferecido ao Pai celeste — na obscuridade da fé — seu tesouro mais precioso, seu próprio corpo e sangue, significa que ela certamente teve o Coração humano mais forte de toda a história da humanidade e um heroísmo sobrenatural no grau mais elevado. Não há mártir, confessor, virgem, anacoreta, esposa, mãe ou viúva cujas virtudes a Santíssima Virgem não possua em superabundância, na medida da graça de sua maternidade divina, raiz e perfeição de todos os seus privilégios.
Como proclamam nossos irmãos do Oriente:
À estratega da vitória [ii], os louros do vencedor! Resgatados das cadeias, nós, povo teu, ó Deípara, rendemos-te ações de graças. E pois que é irresistível o poder que tu deténs, do perigo nos retira, para que possamos bradar: “Salve, esposa indesposada!” [iii]
Naturalmente, essas imagens régias e militares podem tornar-se um falso retrato, quando tomadas em sentido excessivamente mundano. A Virgem Maria é Mãe gentil e graciosa, humilde e modesta, atenta somente a Deus, uma “pequena flor” de beleza delicadamente oculta. Ainda assim, eu diria que o uso exclusivo de qualquer dos dois conjuntos de imagens — como os católicos têm feito pelo tipo de linguagem que usa expressões como “Mãe querida, simples e bondosa” — nos leva a perder de vista algo essencial sobre a incrível realidade da Santíssima Teótoco como arquétipo de todas as criações de Deus; a pessoa mais resplandecentemente santa, nobre, digna e poderosa que Deus já fez; pessoa moldada segundo a sabedoria divina antes de todos os séculos, predestinada a reinar para sempre sobre o Corpo místico de Cristo, sobre as inumeráveis miríades dos anjos, sobre as vastas multidões de homens e mulheres salvos das garras da morte pela fé indomável e invencível da Mãe de Deus. Não à toa a liturgia antiga aplica-lhe tantas passagens do Livro da Sabedoria que outrora foram aplicadas (às vezes em sentido ariano) a Cristo!
Portanto, veneramos a força da santidade dela e a fonte secreta de seu poder: a graça de seu Filho, que, por Ele derramada, sempre lhe inunda o Imaculado Coração. Santa Maria, Mãe de Deus, Rainha do Céu e da Terra, rogai por nós agora e na hora da nossa morte. Amém.
Autor: Peter Kwasniewski
Notas
No calendário litúrgico antigo, era em 31 de maio a festa de Nossa Senhora Rainha (instituída pelo Papa Pio XII). Pouco tempo depois, durante a reforma litúrgica que se seguiu ao Concílio Vaticano II, essa celebração acabou transferida para a oitava da Assunção, isto é, o dia 22 de agosto, em que permanece até hoje. A ideia dos reformadores era deixar mais claro o nexo entre a realeza da Santíssima Virgem e a sua gloriosa assunção aos céus, de corpo e alma. 31 de maio continua a ser uma data mariana, mas agora se lembra nela a Visitação (de que antes se fazia lembrança no dia 2 de julho): adiantou-se a celebração deste acontecimento a fim de que, inserido entre a Anunciação (25 de março) e a Natividade de São João Batista (24 de junho), os eventos fossem ordenados no calendário assim como estão dispostos no Evangelho (N.T.).
Estratego, um chefe militar em sentido amplo, apesar de pouco frequente no português do Brasil, é todavia a expressão que gráfica e semanticamente mais se aproxima do termo grego original: στρατηγός (N.T.).
“Hino Acatisto à Santíssima Deípara”, I, Kontákion, em: Devocionário Ortodoxo. Trad. port. de Jerónimo Thomaz. Apelação: Paulus, 2021, p. 145s. — Texto original: “Τῇ ὑπερμάχῷ στρατηγῷ τὰ νικητήρια, ὡς λυτρωθεῖσα τῶν δεινῶν εὐχαριστήρια, ἀναγράφω σοι ἡ πόλις σου, Θεοτόκε: ἀλλ’ ὡς ἔχουσα τὸ κράτος ἀπροσμάχητον, ἐκ παντοίων με κινδύνων ἐλευθέρωσον, ἵνα κράζω σοί: Χαῖρε, Νύμφη ἀνύμφευτε” (N.T.).