No contexto atual, a questão do sentido da vida adquire uma relevância particular, especialmente considerando os avanços científicos e tecnológicos que aprofundaram ainda mais os dilemas existenciais. Ao nos depararmos com essa indagação, encontramo-nos diante de um problema filosófico que tem suscitado perplexidade desde os primórdios da filosofia. Antigas e fundamentais questões sobre nossa identidade, origem, propósito e destino ressurgem e se ampliam. A vida possui uma finalidade ou tudo ocorre ao acaso? A vida tem um desfecho significativo? Existe algo que poderíamos chamar de “sentido da vida”? E, se existir, temos a capacidade de descobri-lo?
Esses dilemas filosóficos não são elucidados pela ciência. Seu método, baseado na observação empírica e quantificação, não é eficaz para abordar tais questões. Descobertas científicas, por mais avançadas que sejam, oferecem contribuições limitadas para a compreensão do sentido da vida. Abordagens como a de Richard Dawkins, que consideram o ser humano como resultado de genes egoístas, são inteiramente limitadas e sequer tocam na complexidade do mistério do ser humano. Tampouco se resolve a questão eliminando-a como um falso problema. A vida humana transcende a biologia, as composições químicas e as redes neurais! Ao enfrentarmos o dilema do sentido da vida, transcendemos o domínio da ciência e dos fatos observáveis experimentalmente. Wittgenstein nos lembra que o mais importante para a vida está além desse domínio: “Sentimos que, mesmo que todas as questões científicas possíveis tenham obtido resposta, nossos problemas de vida não terão sido sequer tocados” (Tractatus Logico-Philosophicus, 6.52).
Ao questionarmos o sentido da vida, entramos na esfera ética, estética e religiosa. Essa questão não pertence à ciência, mas sim à filosofia. No entanto, isso não significa que os filósofos possam oferecer uma teoria para a resolução do problema. Pelo contrário! As soluções dadas alargam ainda mais o dilema. A resposta à busca pelo sentido da vida encontra-se mais propriamente na esfera do místico. A religião, ao favorecer a experiência do mistério, responde a essa questão com mais acerto.
A ética desempenha importante papel ao abordarmos a questão do sentido da vida. Desde os primórdios da filosofia, Sócrates já havia indicado a importância da ética para uma vida boa e feliz, elegendo a virtude como o caminho da realização pessoal, pois é dela que deriva o bem-estar, bem como o modo sábio de lidar com os desafios do cotidiano. A pessoa ética encontra a felicidade na virtude e no modo de lidar com os fatos, harmonizando-se com eles, buscando o sentido de cada coisa antes de querer controlar os acontecimentos e submetê-los à própria vontade. A felicidade da pessoa ética contrasta com a infelicidade da pessoa que vive à mercê dos desejos e, numa luta inglória, tenta subordinar o mundo à própria vontade. A solução para viver de maneira feliz envolve tornar-se independente do mundo, renunciar ao desejo de influenciar os eventos e harmonizar-se com a realidade.
A dimensão estética da vida ajuda a responder à questão do seu sentido. “A vida é séria, alegre é a arte!” (Wittgenstein). Assim como a ética, a estética molda nossa percepção do mundo, pois “a obra de arte é o objeto visto sub specie aeternitatis; e a vida boa é o mundo visto sub specie aeternitatis. Este é o nexo entre arte e ética” (Wittgenstein). O sentido da vida, como uma solução para ir além dos limites dos fatos, é alcançado quando se contempla o mundo como totalidade. Essa visão permite um sentimento religioso do mundo e, semelhantemente aos místicos, começa a se viver de forma plena, cessando a tagarelice. “Sobre aquilo de que não se pode falar, deve-se calar” (Wittgenstein; Tractatus 7).
Em resumo, o sentido da vida se revela na atitude religiosa, onde a estética se encontra com o imperativo ético: “fazei a vontade de Deus!” A moralidade, nesse contexto, consiste na aceitação da vontade divina, vivendo em concordância com os fatos e acolhendo-os sem rebelião. A ética, estética e religião, portanto, desempenham papéis interligados na busca pelo sentido da vida. Entretanto, visto de maneira mais profunda, o problema do sentido da vida não depende apenas de uma decisão ética, mas sim do encontro decisivo com uma pessoa, Jesus Cristo, como sabiamente afirmou o Papa Bento XVI: “No início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo” (Deus Caritas est, 1).
Autor: Dom João Santos Cardoso – Arcebispo de Natal (RN)
Fonte: CNBB