Salvar almas: o imperativo do Coração de Maria

Se, como disse a Irmã Lúcia, não há problema espiritual, por mais difícil que seja, que não possa ser resolvido pelo Rosário, então não há pecador, por mais distante que esteja da Igreja, que não possa ter a graça de se converter, se alguém estiver rezando o Terço por ele.

Nossa Senhora de Fátima contrariou o costume de aparecer aos videntes no 13.º dia de cada mês, quando, em agosto, ela apareceu no dia 19. Ao fazer isso, ela mostrou seu carinho especial por São João Eudes, cuja festa é celebrada naquele dia. S. João Eudes foi o primeiro santo a promover a devoção ao Coração de Maria, de forma especialmente grandiosa. Tendo em conta que Fátima era o meio escolhido por Deus para consolidar ainda mais esta devoção particular no mundo, não podemos ver a aparição irregular de Nossa Senhora no dia 19 como coisa qualquer, mas como um incentivo providencial para saber o que S. João tem a ensinar sobre o Coração da nossa Rainha.

Segundo S. João Eudes, nada é mais agradável ao Coração de Maria do que trabalhar pela salvação das almas: 

A maior alegria que podemos dar ao admirável Coração de Maria, todo em chamas de amor pelas almas que custaram o Sangue precioso de seu Filho, é trabalhar com zelo e dedicação pela salvação delas. Se o coração dos anjos e santos no Céu se regozija com a conversão de cada pecador na terra, a Rainha dos anjos e santos encontra nisso infinitamente mais alegria do que a de todos os habitantes do Céu juntos, porque o seu Coração possui mais amor e caridade [1].

A caridade consiste em desejar o bem do outro. Ora, o bem supremo do homem é a salvação de sua alma. Logo, a forma mais verdadeira e mais alta de caridade é trabalhar para ajudar os outros a alcançar a felicidade suprema e eterna.

As virtudes da  e da esperança, embora inferiores à caridade, são sempre listadas antes dela como requisitos necessários. Qualquer imperfeição em alguma uma dessas duas virtudes teológicas implicará, inevitavelmente, alguma imperfeição na caridade. Infelizmente, em nossa era pós-Vaticano II, defeitos graves em ambas as virtudes são abundantes [2]. Para dar alegria a Maria, trabalhando de fato pela salvação das almas, é imperativo corrigir os erros comuns sobre a fé e a esperança que estão destruindo o amor.

A fé nos informa não apenas sobre o que é o bem último do homem, mas também sobre o único meio pelo qual esse fim bom pode ser alcançado. Pela fé, sabemos, ou pelo menos deveríamos saber, que a Igreja é a única Arca da salvação — extra Ecclesiam nulla salus. Os santos agiram de acordo com essa verdade revelada. Eles oraram e ofereceram sacrifícios pela conversão das almas. Muitos católicos hoje em dia não acreditam nesse dogma de fé, no sentido em que foi infalivelmente definido. Por isso, muitos não oferecem orações ou sacrifícios pela conversão dos que estão fora da Igreja. Em vez disso, dedicam grande parte de tempo e energia ao combate às “mudanças climáticas” e outras questões de justiça social, reais ou fictícias. Não há verdadeira caridade sem verdadeira fé.

Vê-se ainda uma grave falta de esperança em uma das justificativas mais comuns dadas pelos católicos modernos para rejeitarem o dogma segundo o qual “fora da Igreja não há salvação”. Os que nele não acreditam costumam falar de seus conhecidos não-católicos como se fosse impossível convertê-los, por terem sido criados em ambientes que os levaram a ter contra a fé preconceitos insuperáveis.

Ora, os fundamentos da esperança de um católico são a onipotência de Deus, sua bondade e fidelidade às suas promessas. Se esses católicos liberais realmente acreditassem na onipotência divina, saberiam que Deus é capaz de vencer qualquer preconceito. Se eles cressem na bondade de Deus, saberiam que não é vontade de Deus que alguém permaneça nas trevas religiosas. Antes, Deus quer que todos os homens “cheguem ao conhecimento da verdade” (1Tm 2, 4).

S. João Eudes escreveu sobre como a soberania divina se reflete no Coração de Maria. Ele definiu a soberania divina como “uma perfeição que dá a Deus poder absoluto e infinito sobre todas as obras de suas mãos. Ele pode dar vida ou morte quando bem entender, no lugar e da maneira que quiser; Ele pode nos lançar no abismo do nada, ou nos retirar dele. Deus comunicou essa soberania a Maria, como a Rainha do Céu, em um grau sublime” [3]. Nós lembramos esse privilégio de Nossa Senhora, na ladainha lauretana, quando pedimos à Virgo potens, “Virgem poderosa”, que rogue por nós. Quanto mais esperança tivermos no poder e na bondade de Maria, mais ansiosos estaremos para pedir-lhe que nos obtenha a conversão e a salvação daqueles que nos são queridos. Os que não têm esperança e pensam que Maria não é poderosa o suficiente para obter a conversão dos seus não estarão tão ansiosos por buscar sua intercessão. Não há caridade sem esperança.

A Irmã Lúcia de Fátima expressou uma grande esperança no poder da oração a Maria através do Rosário, de modo particular: 

A Santíssima Virgem, nestes últimos tempos em que vivemos, deu uma nova eficácia à oração do Santo Rosário. De tal maneira que agora não há problema, por mais difícil que seja, seja temporal ou, sobretudo, espiritual, que se refira à vida pessoal de cada um de nós; ou à vida das nossas famílias, […] que não possamos resolver agora com a oração do Santo Rosário.

Ora, se não há problema espiritual, por mais difícil que seja, que não possa ser resolvido pelo Rosário, então não há pecador, por mais distante que esteja da Igreja, que não possa ter a graça de se converter, se alguém estiver rezando o Rosário por ele. Se queremos dar grande alegria à Rainha dos anjos e santos, devemos nos esforçar ao máximo para viver a mensagem de Fátima, de oração e sacrifício pela salvação das almas.


Fonte: John HendersonTradução: Equipe Christo Nihil Praeponere

Notas
  1. S. João Eudes, O admirável Coração de Maria. Publicações do Coração Imaculado. Buffalo, NY, p. 255.
  2. Reconhecer, com o autor do texto, que “em nossa era pós-Vaticano II, defeitos graves […] são abundantes” na vivência das virtudes teologais, não significa atribuir ao Concílio a culpa exclusiva da crise em que nos encontramos. A esse respeito, cf. Ao vivo com Pe. Paulo, episódio n.º 221: O Magistério do Concílio Vaticano II (Nota da Equipe CNP).
  3. S. João Eudes, op. cit., p. 141.