Sim, é cristão invocar Nossa Senhora!

A Bem-aventurada Virgem Maria é não só nossa Corredentora, mas também Dispensadora de todas as graças. A ela, portanto, devemos recorrer com a máxima confiança. Vejamos, pois, por que e como ela deve ser invocada por todos nós.

A Beatíssima Virgem é não só nossa Corredentora, mas também Dispensadora de todas as graças. A ela, portanto, devemos recorrer com a máxima confiança. Vejamos, pois, por que e como ela deve ser invocada.

Por que a Bem-aventurada Virgem Maria deve ser invocada?

Leão XIII diz: 

Esforçai-vos para a que a Auxiliadora esteja junto do trono da graça, a gloriosa, santa e sempre Virgem Maria, Mãe de Cristo, e ofereça nossas preces a seu Filho e nosso Deus (Encíclica Paterna caritas).

Seguindo o exemplo de nossos religiosíssimos pais e antepassados, refugiemo-nos em santa Maria, Nossa Senhora; invoquemos Maria, Mãe de Cristo e nossa, e com um mesmo coração lhe imploremos: “Mostra que és Mãe! Ouça por ti nossas preces aquele que, por nós nascido, se dignou ser teu” (Encíclica Octobri mense).

Não deixem, com um só coração, de invocar e rogar, pública e privadamente, com louvores, preces e votos, à Mãe de Deus e nossa: mostra que és Mãe (Encíclica Adiutricem populi).

O mesmo Pontífice expõe claramente como a invocação da Mãe de Deus em nada se opõe à dignidade de Deus. Diz, com efeito: 

Está isso [a invocação da Virgem] tão longe de opor-se de algum modo à dignidade de Deus, como se levasse a pensar que devemos depositar mais confiança no patrocínio de Maria que no poder divino, que, pelo contrário, é o que mais facilmente move a Deus e no-lo torna propício. De fato, a fé católica nos ensina que se há de invocar com preces não somente a Deus, mas também aos santos bem-aventurados [i], embora por diversa razão, já que a Deus se reza como à fonte de todos os bens; a estes, porém, como a intercessores. “A oração”, diz Santo Tomás, “é dirigida a alguém duplamente: de um modo, para ser por ele cumprida; de outro modo, para ser por ele impetrada. Ora, do primeiro modo só a Deus dirigimos a oração, porque todas as nossas orações devem ordenar-se à consecução da graça e da glória, que somente Deus dá, segundo aquilo do Salmo: ‘A graça e a glória dará o Senhor’ (Sl 83, 12). Mas, do segundo modo, dirigimos a oração aos santos anjos e homens, não para que, por eles, Deus conheça nossos pedidos, mas para que, pelas preces e méritos deles, nossas orações surtam efeito…” [ii] Ora, quem, entre todos os que ocupam os tronos dos bem-aventurados, ousará disputar com a augusta Mãe de Deus o poder de merecer a graça? (Encíclica Augustissimae Virginis).

Nota o mesmo Pontífice a diferença entre o rito de invocar a Mãe de Deus e o rito de invocar os santos: “[…] o rito de invocar a Virgem tem algo de comum com o culto de Deus, a ponto de a Igreja invocá-la com os mesmos termos com que roga a Deus: Tende piedade dos pecadores” (Ibid.).

Devemos invocar a Bem-aventurada Virgem Maria porque ela é digna de toda a nossa confiança; é, depois de Deus, a mais digna.

Com efeito, alguém conquista toda a nossa confiança quando: 1) sabe ou perfeitamente conhece e compreende todas as nossas necessidades; 2) pode socorrer-nos; 3) quer socorrer-nos.

Ora, tal é o caso de Maria, que sabe de seu auxílio, pode e quer no-lo conceder. Sabe, porque vê continuamente em Deus a nós e o que nos diz respeito; pode, por ser onipotente junto ao seu Filho; quer, porque nos ama nele imensamente. Ela, enquanto Bem-aventurada, sabe o que nos é necessário ou útil; enquanto Mãe de Deus, pode o que quer; e, enquanto nossa Mãe, quer o que pode.

aA Bem-aventurada Virgem Maria, em primeiro lugar, sabe dar-nos auxílio, porque nos vê em Deus.

Pois o ato pelo qual a Bem-aventurada Virgem nos vê em Deus, sob a luz da glória, é muito semelhante ao ato com que Deus se vê a si mesmo. Ora, Deus vê com um único e mesmo ato simplicíssimo, como imagens em um espelho puríssimo, sua Essência e tudo o que nela está representado. Portanto, Deus vê em si mesmo todas as coisas possíveis e existentes, com todas as suas circunstâncias. Ora, todas as almas admitidas à visão intuitiva contemplam a Deus Uno e Trino graças à luz da glória, e nele conhecem todas as coisas que pertencem à sua Essência, e de algum modo a elas se referem. Um tal conhecimento, em razão da luz da glória, pertence à felicidade delas e à plenitude da glória [iii]. Assim, por exemplo, a mãe que deixou seus filhos órfãos na terra os vê continuamente e conhece suas necessidades. Em poucas palavras: tudo o que lhes diz respeito, os bem-aventurados o veem em Deus. Pois bem, se todos os bem-aventurados gozam dessa visão das coisas e pessoas que lhes dizem respeito, muito mais deve gozar dela a Bem-aventurada Virgem Maria, e em grau congruente com sua bem-aventurança e seu ofício de Mãe. Por isso, tudo quanto lhe diz respeito, ela o deve ver em Deus. Daí que com os mesmos olhos com que vê a Divina Essência enxergue também a nós, filhos seus, em particular, com todas as nossas virtudes, defeitos, necessidades e penas. De fato, é tão clara, direta e distinta essa visão, que, se não se equipara à visão de Deus, excede todavia a visão de todos os anjos e santos.

Se, por conseguinte, a Beatíssima Virgem vê em Deus todas as nossas misérias, necessidades e desejos, sem dúvida ela sabe dar-nos auxílio, aplicando-nos remédios oportunos, além de distribuir-nos as graças idôneas.

bA Santíssima Virgem, ademais, pode socorrer-nos. A razão está em que a Bem-aventurada Virgem tudo pode junto a Deus com suas súplicas.

Com efeito, os Padres e Doutores da Igreja constituem um coro admirável quando lhe engrandecem o poder, e declaram que tudo o que Deus pode por império, Maria o pode alcançar pelas próprias preces. Jesus e Maria, ambos onipotentes: Jesus por natureza [divina], Maria por graça; Jesus por essência, Maria por participação; Jesus por direito, enquanto Deus, Maria por graça, enquanto Mãe de Deus. Ela nada perdeu daquela doce autoridade que, nos dias de sua vida, lhe foi reconhecida por Deus: “A palavra dela, sempre acatada, alcança pela memória de seus padecimentos uma força misteriosa que faz vibrar no Coração de Cristo todas as cordas do amor filial e o inclina a uma liberalidade sem medida” [iv]. Portanto, a Virgem pode socorrer-nos.

cA Santíssima Virgem, por último, quer nos auxiliar, porque nos ama em Deus. Ela nos ama: 1) enquanto membros do corpo místico de seu Filho, que constituem o Cristo total; 2) porque é nossa Mãe, e por isso nos ama com um amor de todo inefável, superior a qualquer amor. Desta forma, se a Bem-aventurada Virgem assim nos ama, não há dúvida alguma de que nos quer auxiliar, pois que amor não é outra coisa que querer o bem do outro. Não admira, pois, que os fiéis, desde os sécs. II-III, tenham começado a invocá-la com a prece: “À vossa proteção nos acolhemos…”, para que os livrasse de todos os perigos [v]. No século IV, São Gregório Nazianzeno (389) refere o recurso de certa virgem cristã à Bem-aventurada Virgem Maria [vi]. Por volta do fim do mesmo século V, Santo Ambrósio exortava as virgens cristãs a invocar a Bem-aventurada Virgem [vii]. No século V, cristãos da África setentrional costumavam invocar a Bem-aventurada Virgem com as palavras: “Santa Maria, salva-nos” [viii].

Como a Bem-aventurada Virgem Maria deve ser invocada?

A Bem-aventurada Virgem Maria deve ser invocada com confiança. Pois, se ela sabe [das nossas necessidades], e pode e quer nos socorrer, necessariamente se há de concluir que nós devemos, com grande confiança, recorrer a ela continuamente e em todas as nossas necessidades, quer naturais, quer espirituais. De fato, “se confiamos em Maria”, diz Pio X, “como é justo […], agora também sentiremos que ela é a Virgem potentíssima, que esmagou com pé virginal a cabeça da serpente” (Ad diem illum).

Dúvida: É necessária a invocação explícita da Bem-aventurada Virgem para que ela nos impetre graças, ou é suficiente apenas uma invocação implícita?

Resposta: 1) Para que a Bem-aventurada Virgem interceda por nós a Deus, não é necessária uma invocação explícita. Com efeito, a Bem-aventurada Virgem pode — assim como Cristo — interceder por nós e, de fato, o faz muitas vezes, mesmo que não lho peçamos, ao menos expressamente (por exemplo, as graças que nos movem a rezar, as que nos estimulam à penitência etc.). Assim fez ela nas bodas de Caná. Com razão canta Alighieri: “Não só a benignidade tua socorre/ a quem a implora, mas, por tua vontade,/ antes do rogo, muita vez, já corre” [ix]. Nenhuma graça é concedida aos homens sem a intercessão da Medianeira de todas as graças.

Além do que, pode-se dizer que a invocação da Virgem é implícita em todos os pedidos de graças, já que cada um pretende pedir graças segundo a ordem querida por Deus, e sabemos que Deus não nos quer conceder nada sem Maria. Nesse sentido é que se devem entender as palavras de Alighieri: “Tal é teu império que, por certo, erra/ quem busca a graça, e a ti não recorre,/ como a voar sem asas quem se aferra” [x].

2) Embora a invocação explícita em todo e cada caso não seja necessária, é no entanto bastante útil. Quanto mais frequente e fervorosa for a invocação da Virgem, tanto mais rápida e copiosa será sua misericórdia.


Referências
  1. Concílio de Trento, sessão 25.
  2. STh II-II 83, 4.
  3. S. Tomás, In IV Sent., dist. 44, q. 3, a. 1; STh II-II 83, 4 ad 2.
  4. Monsabré, Conf. 50.
  5. Cf. Marianum, 3 (1941) 97-101.
  6. Or. XXIV in laudem S. Cypriani, PG 35, 181.
  7. De Instit. Virg., nn. 86-88, PL 16, 339s.
  8. Delattre A. L., Le culte de la Sainte Vierge en Afrique, Paris-Lille, 1907, p. 74s.
  9. Dante Alighieri, Par. XXXIII, 16-18. Trad. port. de Italo Eugenio Mauro. São Paulo: 2.ª Editora 34, 2010, p. 230.ar. XXXIII, 13-15, p. 230.

Nota e fonte: Este artigo é uma tradução ao português, feita por nossa equipe, de Pe. Gabriel M.ª Roschini, OSM, Mariologia, 2.ª ed., Roma: Angelus Belardetti (ed.), 1948, vol. 4 (= t. II, Pars Tertia), pp. 26–29.