Um hino à Medianeira de Todas as Graças

Entenda por que não devemos ter medo de nos dirigir a Maria como “Medianeira de todas as graças”. A favor dessa invocação estão o peso dos séculos, o testemunho de gigantes da nossa fé e a piedade filial do povo católico.

Confira a letra de uma bela canção composta por Dom Aquino Corrêa em honra a Nossa Senhora, “Medianeira de todas as graças” [i]:

[1.] Mãe de Deus! Virgem-Mãe pura e bela!
Toda cheia de graça e de luz!
És nosso íris, em meio à procela,
Tu que enlaças nossa alma a Jesus! 

Coro [Refrão]:
Medianeira de todas as graças,
Que na terra derramam os céus!
Esperamos em ti, que nos faças,\
Ó Maria, subir até Deus!

[2.] Sobre as noites fatais da nossa alma,
Como a lua no céu, tu sorris,\
Refletindo essa luz doce e calma,
Com que Deus chama a si o infeliz.

[3.] Esperança de quem desespera!
Mãe de quem agoniza na cruz!
Tu consolas a morte mais fera,
Porque és tu que nos mostras Jesus!

[4.] Tu és vida, doçura e esperança!\
És a porta e és a chave do céu!
Quem por ti vai a Deus, tudo alcança,
Pois Deus mesmo esta glória te deu! 

Do começo ao fim, o hino trata da relação entre Maria e o seu fiel devoto. Mas sempre lembrando que a Santíssima Virgem é intermediária para nos conduzir a Jesus. (Não sem razão, no centro da Ave Maria, a mais importante oração mariana, está também o nome de seu divino Filho.) 

Na primeira estrofe, diz o fiel a Maria: “És nosso íris, em meio à procela”, isto é, em meio à tormenta, nos mares agitados desta vida, és o arco-íris, ou o próprio espectro solar — prenúncio de que a tempestade está para findar. Mas por quê? Porque és tu, ó Maria, “que enlaças nossa alma a Jesus” — e é Ele, em última análise, o Sol. No refrão, brilha a mesma ideia: esperamos de Maria que nos faça “subir até Deus”. Na segunda estrofe, Maria é retratada “refletindo” a luz “com que Deus chama a si o infeliz”; depois, na terceira, consolando a morte mais “fera”, isto é, mais dura e cruel, “porque és tu que nos mostras Jesus” — como também rezamos na Salve Rainha: “Mostrai-nos Jesus”. Por fim, num remate belíssimo, o eu-lírico declara que foi o próprio Deus quem deu a Maria a glória que nela proclamamos — e é por isso que tudo alcança quem vai até Deus por meio dela.

Sobre o título Medianeira de todas as graças, vale a pena tecer algumas considerações, sobretudo porque a expressão pode ser entendida em dois sentidos: 

  1. Maria trouxe ao mundo Jesus, fonte de todas as graças, e por isso é medianeira de todas elas (mediatio in universali).
  2. Desde que foi assunta aos céus, nenhuma graça é concedida aos homens sem a intercessão atual de Nossa Senhora (mediatio in speciali).

Ao empregar o título no primeiro sentido, estamos lembrando a cooperação de Maria na obra da Redenção — fato certo e inegável, pois constante do próprio Evangelho da Anunciação. De fato, quando disse: “Faça-se em mim segundo a vossa palavra”, Maria deu seu consentimento expresso para a Encarnação do Verbo de Deus, tornando-se a ponte entre nós e o seu Filho, que nos concede todas as graças. 

No hino composto por Dom Aquino Corrêa, porém, sobressai sem dúvida o segundo sentido do título — e o mais “ousado”, por assim dizer. Aqui, Maria está sendo aclamada não só como mediadora de todas as graças, mas de cada uma delas. 

O excelente teólogo Ludwig Ott explica melhor: 

Desde que Maria entrou na glória do céu, está cooperando para que sejam aplicadas aos homens as graças da redenção. Ela participa na difusão das graças por meio de sua intercessão maternal, a qual é inferior em poder, sem dúvida, à intercessão sacerdotal de Cristo, mas está, por sua vez, muito acima da intercessão de todos os outros santos.

Segundo a opinião dos teólogos antigos e de muitos teólogos modernos, a cooperação intercessora de Maria tem por objeto todas as graças que se concedem ao homem, de modo que não se lhe concede graça alguma sem que medeie a intercessão de Maria. O sentido dessa doutrina não é que tenhamos forçosamente de pedir todas as graças pela mediação de Maria, nem tampouco que a intercessão de Maria seja intrinsecamente necessária para a aplicação da graça, senão que, por ordenação positiva de Deus, ninguém recebe a graça salvadora de Cristo sem a cooperação intercessora atual de Maria [ii].

Em outras palavras: seria muito bom que os cristãos todos se dirigissem à Mãe de Deus para impetrarem os favores do Céu, mas, ainda que isso não aconteça (no caso dos protestantes, por exemplo), as graças que os homens recebem, é por Maria que as recebem — e isso não por necessidade intrínseca das coisas, mas “por ordenação positiva de Deus”, ou seja, não porque precisava ser assim, mas simplesmente porque Deus tem demonstrado ser essa a sua vontade, ao longo de toda a história da salvação. 

Comprova-o, antes de mais nada, a maternidade divina de Maria. Os teólogos e doutores da Igreja raciocinam assim: “Já que Maria nos deu a fonte de todas as graças, é de esperar que também ela coopere na distribuição de todas elas” [iii]. Defendem o mesmo santos da estirpe de São Germano de Constantinopla, São Bernardo de Claraval, São Pedro Canísio e Santo Afonso Maria de Ligório.

Mas também reforçam essa ideia a intervenção de Maria nas Bodas de Caná (cf. Jo 12, 1-12) e sua maternidade em relação aos discípulos de Cristo, recebida aos pés da Cruz (cf. Jo 19, 25-27). Não à toa foi esta a perícope escolhida para a festa de Nossa Senhora, Medianeira de Todas as Graças, acolhida na liturgia pelo Papa Bento XV, em 1921 [iv]: “Já que Maria se converteu em mãe espiritual de todos os redimidos, é conveniente que com sua incessante intercessão ela cuide da vida sobrenatural de seus filhos” [v]. Refletem o mesmo, comentando este Evangelho, nomes tão antigos quanto Orígenes e Santo Agostinho. 

Por tudo isso, não devemos ter medo de nos dirigir a Maria como “Medianeira de todas as graças” — por mais que o título ainda não tenha sido objeto de uma declaração formal e definitiva da Igreja. Pois a favor dessa invocação estão o peso dos séculos, o testemunho de gigantes da nossa fé e a piedade filial do povo católico. 

Cantemos então, também nós, à Virgem mediadora: “Quem por ti vai a Deus, tudo alcança, / Pois Deus mesmo esta glória te deu!


Fonte: Equipe Christo Nihil Præponere

Notas:

  1. Dom Francisco de Aquino Corrêa, ‘À Medianeira de Todas as Graças’. In: Obras, v. 1. Poética, t. III: Nova et Vetera. Brasília, 1985, p. 168.
  2. Ludwig Ott, Manual de Teología Dogmática. Barcelona: Herder, 1966, pp. 333-334.
  3. Ibid., p. 335.
  4. Cf. AAS 13 [1921], p. 345. Os textos desta festa podem ser vistos no Próprio do Brasil para o usus antiquior, em: Missal Romano Quotidiano, por D. Gaspar Lefebvre e os Monges Beneditinos de S. André. Trad. dos Monges Beneditinos de Singeverga. Bruges: Biblica, 1963, pp. [22-23]. Ainda hoje, nas comunidades que têm a Medianeira como patrona, é possível celebrar esse título, que em alguns lugares se recorda a 8 de maio, 31 de maio, 1.º de outubro ou mesmo 8 de novembro.
  5. Ludwig Ott, op. cit., p. 335.